HINO À SOLIDÃO Diz-se que a... Antônio Feijó
HINO À SOLIDÃO
Diz-se que a solidão torna a vida um deserto;
Mas quem sabe viver com a sua alma, nunca
Se encontra só; a Alma é um mundo, um mundo aberto
Cujo átrio, a nossos pés, de pétalas se junca.
Mundo vasto que mil existências povoam:
Imagens, concepções, formas do sentimento,Sonhos puros que nele embeleza, revoam
E ficam a brilhar, sol do seu firmamento.
Dia a dia, hora a hora, o Pensamento lavra
Esse fecundo chão onde se esconde e medra
A semente que vai germinar na Palavra,
Cantar no Som, florir na Côr, sorrir na Pedra!
Basta que certa luz de seus raios aqueça
A semente que jaz na sua leiva escondida,
Para que ela, a sorrir, desabroche e floresça,
De perfumes enchendo as estradas da Vida.
Sei que embora essa luz nem para todos tenha
O mesmo brilho, o mesmo impulso criador,
Da Glória, sempre vã, todo o asceta desdenha,
Vivendo como um Deus no seu mundo interior.
E que mundo sublime, esse em que ele se agita!
Mundo que de si mesmo e em si mesmo criou,
E em cuja criação o seu sangue palpita,
Que não ha Deus estranho aos orbes que formou.
Nem lutas, nem paixões: ideais serenidades
Em que o Tempo se esvai sob o encanto da Hora...
O passado e o porvir são ânsias e saudades:
Só no instante que passa a plenitude mora.
Sombra crepuscular, que a Noite não atinge ,
Nem a Aurora desfaz: rosiclér e luar,
Meia tinta em que a Alma abre os lábios de Esfinge,
E o seu mistério ensina a quem sabe escutar.
Mas então, inundando essa penumbra doce,
De não sei que sublime esplendor sideral,
Como se a emanação d'um ser divino fosse,
Deixa no nosso olhar um reflexo imortal.
Na vertigem que a vida exalta e desvaria,
Pára alguém para ouvir um coração que bate?
No seio mais formoso, o olhar que se extasia
Vê o mundo que nele em ânsias se debate?
É só na solidão que a alma se revela,
Como uma flor nocturna as pétalas abrindo,
A uma luz, que é talvez o clarão d'uma estrela,
Talvez o olhar de Deus, d'astro em astro caindo...
E d'essa luz, a flor sem forma, ha pouco obscura,
Recebe o seu quinhão de graça e de pureza,
Como das mãos do artista, animando a escultura,
O mármore recebe a sua alma--a Belleza.
Se sofrer é pensar, na paz do isolamento,
Como num cálice cheio o liquido extravasa,
A Dor, que a Alma empolgou, trasborda em pensamento,
E a pouco e pouco extingue o fogo em que se abrasa.
Como a montanha de ouro, a Alma, em seu mistério,
Á superfície nunca o seu teor revela;
Só depois de sondado e fundido o minério
Se conhece a riqueza acumulada nela.
Corações que a Existência em tumulto arrebata!
Esse ouro só se extraem do minério candente,
No silencio, na paz, na quietação abstracta,
Das estrelas do Céu sob o olhar indulgente...