Série Minicontos A PORCA ANDIRÁ.... Nicola Vital
Série Minicontos
A PORCA
ANDIRÁ. Cidadezinha no interior da Paraíba, era inicio dos anos de 1960, à época possuía cerca 25 mil habitantes, e se destacava por sua pacificidade e calmaria, dado a seu perfil campesino e de boa sociabilidade entre seus habitantes uma vez formados por famílias quase que em sua totalidade consanguíneas.
Até o registro de um grupo de jovens e adolescentes frequentadores das disputadas festas do clube local, pointer de sua juventude nos fins de semana, passarem a protagonizar uma das mais inusitadas “histórias de terror” por assim dizer, quando da aparição de uma horrenda e misteriosa porca que surgira infernizando as noites das mocinhas e mocinhos que se aventuravam nas noites paroquianas.
Ora! Mas o que faria uma ingênua porca, ainda que muito feia, infernizar a vida de alguém? Talvez os relatos de toda a sociedade de então pudesse mensurar a veracidade daquela tenebrosa aparição!
Até mesmo os comerciantes, feirantes, e agricultores que adentravam a madrugada em suas atividades laborais figuravam como espectadores do citado evento.
E, para deixar mais instigante e apavorante a “história”, os boatos, apontavam que a hedionda porca não pertencia a essa dimensão haja vista tratar-se de um homem ou mulher que incorporava aquele horripilante animal que se apresentava com o corpo de animalesco e cabeça humanoide para atormentar toda a sociedade que por sua vez, começava a declinar de sua vida noturna.
Segundo os mais crédulos, os pais logo passaram a não permitir que suas filhas saíssem durante a noite sem uma boa e confiável companhia. Uma vez que havia a garantia nos relatos de que ela, a porca enxergava nas mulheres seu alvo preferido.
Até mesmo o próprio pároco local em seus sermões cotidianos, de certa maneira incrédulo, fazia alusão ao ocorrido em alerta aos frequentadores da noite. Antagônicos aos sermões do beato, alguns poucos céticos afirmavam não passar de “estória da carochinha”. Construída socialmente objetivando assustar a juventude rebelde e noturna que embalavam os anos 60.
Suas aparições se davam com frequência nos becos da Rua Yoyo de Ginú onde a porca ao ser perseguida corria em velocidade assustadora e adentrava o “beco da bosta” de onde num toque de mágica sumia aos olhos humano.
Ante essa lógica, a história começa a galgar robustez e se espalhar não só no âmbito do município já atônito e cheio de insegurança, propagando-se através da “boca miúda”, para ganhar a vizinhança, ou seja, os municípios circunvizinhos, momento em que começa atrair os olhares das autoridades locais preocupadas com a repercussão negativa, e começa a determinar toque de recolher a fim de sanar o problema.
Logo propõe que a partir da 00h00 ninguém podia ser visto às ruas sob pena de serem conduzidos à presença dos pais se fossem menores de idade, e maiores, apenas os que estivessem na captura daquela “criatura sobrenatural”.
Sobretudo havia dois grandes empecilhos a dificultar que tais ordens fossem realmente cumpridas.
Primeiro, a rebeldia daqueles jovens que vivenciavam os anos 60 movidos pelos movimentos Hippie e Grandes Festivais de Musicas que embalavam as noitadas regadas a bebida e musica.
Segundo, o contingente policial, quase inexistente, pois contava com apenas três policiais que faziam as rondas de a pé para cobrir uma população estimada em 25 mil habitantes, composto apenas pelo delegado, o patrulheiro, e um investigador. Dos quais, dois deles mais tarde viriam figurar como suspeitos tornando-se impossível seu trabalho sem o apoio da sociedade.
O medo e a insegurança assolavam os moradores da pequena e não mais pacata cidade de Andirá.
Assim, não havia outra solução, se não, formar-se uma força tarefa junto à sociedade na busca de desvelar aquele mistério. E assim fora feito, grupos armados de paus, pedras e até mesmo espingardas tipo “bate bucha”, se distribuíam pelas ruas e vielas da cidade durante os finais de semana na captura daquela horrorosa criatura com cabeça humana e corpo de animalesco. As festas nos clubes da cidade eram suspensas por pressão da sociedade, e o cerco se fechava contra a porca.
Diante de tamanho mistério a circundar toda redondeza todos se questionavam:
- Quem seria o hospedeiro dessa coisa?
- De onde surge e para onde vai seu mistério?
Sob essa ótica, começam a mudar a estratégia para sua captura, uma vez que havia cessado suas aparições durante a vigília, talvez por medo ou por estratégia, e decidem não mais executar uma busca ostensiva e passam a exercer uma nova modalidade de captura implementando o serviço de inteligência para investigar os movimentos do suposto “animal”.
Assim a cidade volta ao seu curso normal como se nada estivesse acontecendo e estrategicamente, digamos, os investigadores populares começam a distribuir pelos cantos da cidade boatos de que a porca havia sumido e não mais representaria perigo à sociedade, no afã de que livre da perseguição, ela, a porca voltasse a aparecer. O que de pronto deu certo. Nesse ínterim, Os bailes voltam a acontecer e os grupos de jovens a se reunirem.
O plano parece está dando certo, começa a surgir rumores de novas aparições, desta feita, mais comedida e em locais mais ermos e horários distintos.
Ora, como pode ser algo sobrenatural usando estratégias de fuga peculiar dos humanos? Pergunta-se a equipe investigativa!
E começam se infiltrar nas festas noturnas, e para surpresa de todos, em uma sexta feira 13 de agosto, a força tarefa avista pela primeira vez o fenômeno que aterroriza a cidade. Mas para a sua frustração como de praxe, ao ser vista a porca some como o vento e passa a fazer aparições em outros locais distintos.
Momento em que muito juízo de valor fora feito contra mendigos, prostitutas, moradores de rua, e até mesmo os brincantes, figuras pitorescas das festas populares à época. Mas, ainda assim, ninguém estava a salvo do julgo popular naquele momento. E a bola da vez era a porca que devia morrer!
E todos eram suspeitos, qualquer gesto em falso, pronto, o ‘individuo’ era conduzido à delegacia para justiçar o que estava fazendo àquela hora da noite e naquele lugar.
Os moradores de rua não podiam mais dormir na rua eram monitorados pela polícia.
Parece que o pesadelo não iria ter fim, ninguém confiava em ninguém, a vida noturna na cidade não existia mais, se não, vigiada. Versões das mais mirabolantes sugiram a fim de desvendar o mistério que se implantara. Uma delas dá conta de que uma bela jovem da sociedade local, filha de família abastada financeira e politicamente poderia ser a misteriosa. Isso porque segundo a lenda, o pai da donzela não permitia seu namoro com um rapaz que segundo ele não fazia jus à sua filha, por esse motivo a privou de sair de casa, segundo relatos, ela passou a se vestir de animal e encontrar seu grande amor sem ser notada.
Reza a lenda que essa linda jovem um dia qualquer na escuridão da noite fora baleada após ser perseguida disfarçada com vestes de animal o que fez aumentar os comentários sobre o assunto e sua família dias depois deixou a cidade para nunca mais voltar.
Outros relatos ainda mais bizarros surgirão doravante.
Diz-se que um sujeito que morava nos arredores da cidade havia anos, e que não fazia a menor questão em se sociabilizar com ninguém da sociedade local, a quem vou chama-lo de “Rangè”, ele era um exótico barbeiro que morava na periferia da cidade, para ser mais exato, no final da Rua à época conhecida por Rua da Lagoa onde havia pouquíssimas residências e preservava um semblante bucólico, sua casa era de arquitetura simples, cercada por cercas de arames farpados e terreno de várzea, havia muito mato quase sempre não aparado. Logo começa a despertar desconfiança da sociedade.
Era um homem de meia idade, estatura mediana e de muito pouco diálogo. Dormia cedo e acordava tarde para os costumes daqueles munícipes, era adepto de uma indumentária bastante avessa ao modismo local, ou seja, havia muito couro nos detalhes de suas roupas em que predominava a cor preta, fazia uso de um óculo redondo com muito grau (fundo de garrafa), morava sozinho e pouco era visitado. Às vezes, ou em raros momentos, via-se a presença do delegado local que era um de seus poucos clientes. Moradores da rua Prudente de Morais afirmam que o barbeiro religiosamente passava naquela rua às 20h00, com frequência para destino incerto vestindo um capote preto (sobretudo), sapatos preto e branco e um guarda chuvas sobre o braço direito, e não era mais visto voltar.
Mas, como em toda boa lenda urbana, sempre há os atores a disseminar seus contos aumentando um ponto. Nesse não podia ser diferente.
Logo emerge toda sorte de boatos dos mais diversos conceitos, havia quem dissesse ter visto o barbeiro sair de casa meia noite vestido de porca e andando de quatro, outros diziam que ele fugia para o matadouro público quando perseguido, local onde escondia sua fantasia de porca. Não faltava aqueles que afirmavam ter visto ele se transformando em porca. Mais tarde duas outras figuras iriam levantar suspeitas. O delegado e seu investigador.
O primeiro, por ser um homem carrancudo, pouco letrado, muito recluso, e que nutria boa amizade com o barbeiro a quem dispensava discretas visitas, logo se tornara alvo dos moradores como sendo um potencial suspeito, o investigador por sua vez, não ficara fora daquela insana lista.
Segundo, o investigador, era um sujeito bem afeiçoado de olhos claros, alto, cabelos grisalhos, amante dos óculos escuro, roupa de mescla azul e um belo chapéu panamá.
Fato é, que passados quase sessenta anos dessa fantástica “história”, ninguém conseguiu dá um desfecho plausível para tamanha manifestação social. Apontam apenas os boatos que anos mais tarde no prédio já sucateado onde outrora funcionara a delegacia, encontraram vestígios da suposta fantasia usada na aparição. Todavia, não se sabe ao certo se alguém fora responsabilizado por aquele sinistro. Talvez, jamais virá à luz da verdade esse desfecho uma vez que alguns não fazem mais parte do plano terreno outros atores envolvidos jamais foram vistos. O investigador, supostamente morreu vitima de assassinato em lugar incerto e não sabido, o barbeiro, esse evaporou sem deixar vestígios fazendo jus à sua vida nebulosa, e o delegado teve a mesma sorte que o seu investigador, a jovem donzela saíra de cena em meio ao espetáculo, e não foi mais localizado seu paradeiro. Dizem as más línguas que a bela garota antes proibida de encontrar seu príncipe encantado, casou-se mais tarde com um misterioso e elegante moço, e que seria o próprio investigador.
E, até hoje em Andirá, segundo relatos, o padre da freguesia está proibido de usar batina preta.