⁠NECRÓPOLE ECUMÊNICA Fui ao campo... Filipe Feros

⁠NECRÓPOLE ECUMÊNICA Fui ao campo esses dias, tenho ido para ocupar através da visão, aquilo que me esvazia. Ando sobre a grama cor de sangue e com a temperatur... Frase de Filipe Feros.

⁠NECRÓPOLE ECUMÊNICA

Fui ao campo esses dias,
tenho ido para ocupar através da visão,
aquilo que me esvazia.
Ando sobre a grama cor de sangue e com a temperatura de meu inferno emocional,
sem me preocupar com o modo que chegarei ao céu.
Ouvir os pássaros cantando seus prantos,
enquanto vejo as árvores balançarem contra o vento
por teimosia do encanto,
é um eterno espetáculo a ser visto de olhos fechados.
Nesse campo, há flores mortas gritando um último suspiro de vida enfeitando toda a paisagem.
Nas trilhas passeiam famílias,
sempre com as mesmas roupas, mesmos rostos e mesmos sentimentos.
Fui de forma contínua a três dias,
tenho me sentado no mesmo banco,
no mesmo horário, às três horas e trinta e três minutos da madrugada, para ser exato.
Em cada dia, acendi um cigarro e sentou-se ao meu lado três senhoras, cada qual me dando um concelho...

A primeira, vestida de todas suas mágoas e nós olhos talismãs,
chegou como o vento batendo em meus cabelos.
Pediu-me um cigarro e falou:
"Guarda-te em teus olhos o alvorecer que está por vir,
nele ira cantar os pássaros presos em sua garganta.
A tempestade do seu oceano vai cessar, as tribulações se acalmarão no fim de teu choro.
Não és hora de chuva, há uma primavera querendo teu nome,
basta seguir a luz do farol que vem do consciente."
Ela então se calou, acendeu o cigarro com a língua.
No primeiro trago, sumiu com a fumaça,
seguindo a ventania de seu vestido.

A segunda senhora, essa no segundo dia,
estava vestindo as lágrimas de sua culpa, tendo sangue nos lábios como batom.
Chegou como a sombra de um pássaro pairando minha cabeça.
Pediu-me um cigarro e falou:
"Pare de golpear teu coração com o garfo que enche tua boca.
O amor lhe nega, então aceite, já não és tempo de insistir.
Quantas e quantas vezes tu recebeste um não ao convidar alguém para dançar!?
Dança-te no salão de tuas frustrações, tendo como companhia teu reflexo.
Quem te ama, não te entende.
Assim, beije sua solidão e rasgue todos os convites."
Ela então se calou e guardou o cigarro em sua bolsa,
pediu para eu pensar na pessoa em que amo.
E sumiu-se entre minhas ilusões.

A terceira senhora, essa que vestia o desespero e usava como anel sentimentos,
chegou como o calor de um dia sob minha pele.
Pediu-me um cigarro e falou:
"Onde nasce teus delírios, é o mesmo lugar onde jaz tua razão,
então, cultive apenas o que cresce em tua terra.
Não deseje a semente que estraga teu solo,
saiba escolher o fruto.
A colheita farta é aquela que enche teu peito, não a mesa de teu banquete,
todos nós temos fome daquilo que não cresce em nossa plantação.
Desse modo, aprenda a se satisfazer com o que tem em teu quintal."
Ela então se calou e me devolveu o cigarro,
como se não fosse digna de um.
Então, sumiu com a lua quando viu o sol nascer.

Nesse campo que se chama "Cemitério das Almas Perdidas",
encontro o ar de meus pulmões e o sangue de minhas veias.
Passeando calmamente por cada lápide de um ente indesejado,
sinto-me completo de virtudes e conhecimento,
assim, me reconhecendo.
Continuarei indo, com o intuito de abrandar minha existência.
Meu lugar é entre os mortos, aqueles que vivem de sua dor.