Póstuma poesia Não encoste em mim,... João Francisco
Póstuma poesia
Não encoste em mim, eu não vivo.
Não mergulhe em mim, eu não existo
Não acredite em mim, eu minto
Me deixe em paz, com minhas guerras
Nas entranhas da minha alma,
pulsa algo triste que não sei contar
Você está longe demais para perceber
Eles estão ali, vão pegar todo mundo
Ande com cuidado, viver é triste e perigoso
Cuidado com o que diz, eles te vigiam e controlam
Cuidado com teu vizinho, ele te inveja
O olho gordo dele é terçol, tenho água boricada.
Todos têm medo, mas ninguém sabe, o que é,
Não se assuste, eu não quero machucá-la.
Mas preciso tirar seu ar, suas forças, sua alegria.
No supermercado da vida estes artigos são luxuosos.
Calma, não fique nervoso, sei o que você quer.
Mas não tenho nada disso, sou avessa a esses luxos.
Meu enfisema pulmonar, levou meu ar.
A idade avançada levou minhas forças e alegria.
Morreram todos à minha volta.
Não tenho mais cigarros, nem posso tragá-los.
Minha companheira é a solidão,
Mantenha a calma, tenho cachaça na prateleira.
Não me mate, a morte está à espreita.
Não perca sua imunidade com coisa ruim.
Não acelere o que tem seu tempo contado.
Não encoste em mim eu não vivo.
Não encoste em mim, eu não vivo
Não mergulhe em mim, eu não existo
Não acredite em mim, eu minto
Me deixe em paz, com minhas guerras
Por que não vai embora, não te suporto
Esse ar é insuportavelmente frio.
Essa dor é escandalosa, mas não me deixa.
Se morrer eu volto, se morrer eu volto.