"Nem sei mais quem somos. Vejo... José Alexandre
"Nem sei mais quem somos. Vejo muitas pessoas iguais à ti, iguais à mim, no mundo, e então imagino como é fácil se perder em outros rostos. Ter a vida alheia como minha ou ver uma outra me consumir por inteiro. Se não fosse a noite, se num outro tempo pássaros voassem como lacraus, se houvesse numa outra vida uma porta para o fim do mundo, eu ainda te teria aqui, no silêncio. No encalço de alguma patologia lúcida que me consome. Revivendo ensanguentadas lembranças de abraços na escuridão. E amanhã, eu sei. Você sabe. Nada mais importaria. Eu seria algum tipo de saudade antes do adeus. E talvez se tornasses pra mim uma espécie de lembrança viva de alguém que nunca conheci. Um baralho absorto sobre a mesa, um desenho de sorrisos mortos, gastos, machucados num retrato qualquer. Talvez isso. Talvez. Ou teríamos nos cruzado numa rua qualquer, e trocado olhares, e seguiríamos nossos caminhos com tanto medo de sermos algo, um pro outro, por milhões de receios instalados na alma, sub-carregados por traumas de vidas passadas, e medo que se abra outra vez uma ferida que já cicatrizou."