⁠O CEGO, E O OUTRO QUE VIA Havia na... José D'Assunção Barros

⁠O CEGO, E O OUTRO QUE VIA Havia na estrada do mundo um Cego, e um Outro que via O Cego tinha uma estrela cujo brilho não sabia A Noite não lhe era um mal pois ... Frase de José D'Assunção Barros.

⁠O CEGO, E O OUTRO QUE VIA


Havia na estrada do mundo
um Cego, e um Outro
que via

O Cego tinha uma estrela
cujo brilho não sabia
A Noite não lhe era um mal
pois não via o que não devia

O Outro tinha três olhos
e pelo excesso sofria
pois via com o olho da sobra
tudo aquilo que não podia

Numa flor via seus átomos
e nessa profundidade desastrada
Toda beleza se perdia

No perfume sentia cheiros
(cada nota em separado)
pelo nariz lúcido e enfermo
que todo aroma dissolvia

E assim, pela estrada do mundo
Ia o Cego, e o Outro que via

O que via indagava a causa
e o Cego gozava o efeito
Sendo feliz porque não via

Contava-se nas estalagens
Por onde a estrada passava
Que Um era a sombra do Outro
E os Dois, partes de um mesmo ser
Cuja felicidade de ver
Somente estava onde não devia


[publicado em Recital, vol.3, nº1, 2021]