⁠[O TEMPO DOS HISTORIADORES E O TEMPO... José D'Assunção Barros

⁠[O TEMPO DOS HISTORIADORES E O TEMPO DO CALENDÁRIO] Um sinal evidente da necessidade de diferenciar enfaticamente o tempo cronológico e o tempo da história é a... Frase de José D'Assunção Barros.

⁠[O TEMPO DOS HISTORIADORES E O TEMPO DO CALENDÁRIO]


Um sinal evidente da necessidade de diferenciar enfaticamente o tempo cronológico e o tempo da história é a não-coincidência entre os séculos dos historiadores e os séculos da cronologia, estes últimos contados de cem em cem anos. A proposta historiográfica que encontra mais respaldo entre os historiadores atuais, por exemplo, atribui novos limites ao século “XX”, que não os do calendário secular tradicional. Ao invés de começar em 1901, o “século XX dos historiadores” inicia-se em 1914 – data de eclosão da primeira das duas grandes guerras mundiais, as quais encaminham a devastadora crise dos imperialismos europeus e preparam todo o contexto da Guerra Fria e do estabelecimento de uma política internacional bipolarizada entre os Estados Unidos e a URSS. Este mesmo século que começou um pouco mais tarde termina um pouco mais cedo, em 1989 ou 1991, conforme se queira – já que estas são as datas, respectivamente, da queda do Muro de Berlim e da desagregação da União Soviética, encerrando o período de bipolarização política. Ao mesmo tempo, os anos 1990 já introduzem uma verdadeira reconfiguração tecnológica. Por isso, o historiador Eric Hobsbawm subtitulou seu livro sobre o século passado (a Era dos Extremos, 1994) como “o breve século XX”.

De igual maneira, os limites entre duas “eras” são sempre móveis, de acordo com a análise de cada historiador. Quando se encerra a Antiguidade Romana? Com o saque de Roma em 410, com a invasão vândala em 455, ou com a deposição de Rômulo Augusto em 476? Ou, mesmo antes, será que não devemos considerar, para finalidades de datação do fim da era antiga, a vitória devastadora dos godos sobre as legiões romanas em 378 d.C? Ou talvez, quem sabe, rejeitando todas estas datas pontuais, o fim da antiguidade não será melhor assinalado pelo novo papel que passa a desempenhar o Cristianismo nas sociedades agrupadas sob a égide do Império Romano? Os tempos dos historiadores, enfim, não precisam fazer nenhuma concessão, se não quiserem, aos limites bem arrumadinhos dos séculos cronológicos.


[extraído de 'O Tempo dos Historiadores'. Petrópolis: Editora Vozes, 2013p.26].