Dentre a vastidão contável de... Nanda Liberato
Dentre a vastidão contável de álbuns e fotografias diversas em meu dispositivo móvel, encontrei ao acaso uma foto nossa enquanto procurava perdidamente por outra que realmente precisava. É que me bateu uma criatividade louca de presentear a mulher de minha vida com um porta-retrato feito especialmente pelas minhas mãos, e enquanto passava foto por foto na tentativa de encontrar uma que toque o coração e percebi que todas são de momentos incríveis, uma mais bela que a outra, todas tinham um conjunto absurdo de uma perfeição extraordinária, só porque todas contiam o rosto da mulher que amo com o sorriso sempre tão cheio de vida, vigor e glória, e o mais largo que poderia fazer mesmo já tido vivido tanto sofrimento nessa vida, ela sem dúvidas é a dona do sorriso mais excepcional que já vira desde meu nascimento e que existirá por tempo determinado, mas, pra sempre eternizado nessas e em outras incontáveis fotografias que ainda hão de ocorrer e existir. Incrível o modo de como as fotografias eternizam perpetuamente a formosura e o os sentimentos que nelas habitam, os anos passam e elas permanecem infindavelmente com o momento, a situação, o sentimento, a vida, a juventude e etc. Todos intactos como se fossem congelados, ou melhor, como se tirasse um pouquinho do "tudo" ocorrido e o mantivesse guardado ali mesmo sendo bom ou ruim, isso dependerá da visão dos olhos de quem vê. Creio que quando se tira uma foto, aquele momento é guardado e em seguida torna-se uma lembrança pra quem existe, fazendo com que se torne mais tarde uma herança pra quem ainda virá à existir.
Eu tinha certeza que já não havia mais nenhuma foto sua ou nossa quando juntos estávamos, eu tinha certeza que já tinha conseguido apagar de uma vez por todas as lembranças suas e nossas quando algum dia interligados formos, eu tinha certeza também de que não me lembraria de alguma foto nossa quando andávamos de mão dadas, eu tinha certeza...
Odeio a raça humana e as suas certezas de saberem das coisas que jamais existirá certeza alguma!
E olhando atônita a essa perfeita e maldita fotografia, lembrei-me daquele dia e do começo, estava tudo em ordem, tudo pronto pra receber a total felicidade, nada faltava. Mas a felicidade não é previsível e se existe algo verdadeiramente alegre na felicidade é a imprevisibilidade, aquela sensação de quando vai desembrulhar um presente ganho sem saber o que há por dentro do embrulho.
Muitas das vezes a vida nos entrega embrulhos para abrirmos mesmo sem saber do valor dos presentes escondidos neles, outras vezes bem protegido por camadas e camadas de pacotes ou caixas inúteis, algumas das vezes o tamanho do seu embrulho não diz o seu verdadeiro valor, não se engane, a vida é assim, cheia de surpresas, e é a sua imprevisão que a torna tão misteriosa e ao mesmo tempo incrível.
Nossas famílias, amigos, vizinhos, e até os animais, todos sabiam que tínhamos tudo para sermos felizes e foi por isso que não fomos felizes. Éramos o casal perfeito, com belezas perfeitas, com mãos perfeitas, com famílias perfeitas, com amigos perfeitos, com casas perfeitas e educações perfeitas, era tudo perfeito. Tínhamos tudo e mesmo assim faltava alguma coisa qualquer. Nada é mais tedioso do que a mesmice. Nada é mais cansativo do que ser o exemplar. Nada é mais sem graça do que a perfeição. Nada é mais destruidor do que o previsível.
Foi a certeza da maldita previsão do saber agora sobre amanhã, do que teria amanhã, do que aconteceria amanhã, do que faria amanhã, do que usaria amanhã, do que comeria amanhã, do que fazer depois de amanhã, do que saber a toda hora o que vai acontecer a toda hora...
Foi a certeza de quem éramos, o que éramos, e para onde queríamos ir. E foi por isso que acabamos por ir pra lugar nenhum...
Odeio a raça humana com suas certezas de saberem das coisas que jamais existirá certeza alguma, apenas probabilidade!
Nenhuma relação resiste a certeza e a perfeição.
Tudo estava em perfeita sincronia, éramos o casal perfeito. Nuncahouve um pingo sequer de conflito,.
E foi exatamente assim com perfeição, certeza e sem uma discussão, que nos afastamos. Você disse: "Você é perfeita não há nada de errado, mas tenho que ir", e logo em seguida eu disse: "Você é perfeito não há nada de errado, mas pode ir", nos amamos e nos beijamos pela última vez e percebemos que naquele momento o sentimento estava morrendo na hora certa, estava se afastando no momento perfeito. Até nisso fomos perfeitos.
Agora te olho depois de tantos anos depois e percebo que fizemos o certo na perfeição do que tinha de ser feito. Aquele sorriso juntos só se encontra ali na fotografia, junto consigo também o sentimento e a felicidade, e ficará lá, essa será a ultima lembrança que irei excluir depois de terminar esse texto.
-Hoje entendo que somos perfeitos e certos demais pra aceitarmos algo tão defeituoso e incerto como o amor.