O céu era azul ou eu o via assim, e... tadeumemoria
O céu era azul ou eu o via assim, e os fins de tarde eram dourados ou dourados eu os via; havia uma magia, a magia da adolescência; não importava a poeira que subia das ruas de piçarra, ou a lama nos dias de chuva; tudo era uma aventura, como por exemplo catar latas para ostentar, nas tardes de sábado, uma coca-cola bem gelada no botequim da esquina; ou as paixões lacônicas pelas professoras, que se iam nas passagens de ano para dar lugar a uma nova paixão por uma nova professora. Irmãos e irmãs, tias, primos, sobrinhos; éramos um grande exército e pela madrugada um "general" saía sem que ninguém percebesse... fizesse chuva ou não; nunca vi ninguém com mais coragem para enfrentar aquela fábrica de cigarros que na velhice lhe rendeu um enfisema pulmonar. essa é uma história muito triste para alguém que amava demais a vida; foi uma batalha à parte, as outras todas ele venceu, mas quem vence o tabagismo?
Em tudo o que pairava sobre a minha cabeça, essa foi uma mancha cinzenta; e as tardes douradas deram lugar a um bronze fosco, mas as maiores feridas são as que adornam o espírito e as maiores carências enriquecem a alma; assim eu consigo, percebendo a felicidade, mesmo diante de todas as agruras, no menino que eu fora um dia; então todos os sorrisos se reúnem de vez em quando num momento alegre, ou num momento que eu calava para uma repreensão, ou um conselho; a voz grave de minha mãe na leitura bíblica de todas as manhãs; a caminhada triste na condução de um féretro de um ente querido; será que eu já tinha quatro anos? nunca mais esqueci o semblante de cada um que fazia aquele funeral. Acho que funeral devia ser feito sempre assim, uma longa caminhada para termos tempo de refletir e não cometer os mesmos erros do defunto. Tristezas profundas à parte, mas nada tirava de mim a sensação de que éramos eternos, penso que essa é uma característica da juventude com o jeito de perceber tudo belo, mas a beleza de Nilópolis tinha a eloquência da castidade, a beleza dos pores de sol atrás de colinas e manhãs dominicais douradas nos campinhos suburbanos de torneios futebolísticos inesquecíveis nas minhas lembranças. Então foi assim sempre... sempre? Este sempre foi lacônico, foi rápido, mas é uma referência do que posso chamar de felicidade, isto reúne sorrisos, lágrimas, momentos difíceis mas com olhares de conforto e mãos de apoio; até que um dia uma foto de família documentou, deixando ao fundo o azul anil de uma casinha modesta, a satisfação no sorriso de cada um, editando assim a nossa união. O céu era azul e as tardes eram douradas e todos pareciam personagens de um mundo fantástico com apelidos jocosos como: puruka, brucutu, simica, buck jones... às vezes penso que tudo isso deveria ficar assim à parte, mas quem eu seria hoje? isso já faz parte da minha identidade; assim, mesmo nos momentos de agora, corro pela Joaquim Cardoso atrás das pipas, dos saquinhos de doces de São Cosme e Damião ou atrás de uma bola nos gramados castigados; são momentos reconfortantes para as incertezas de agora, são recordações que inspiram diante de uma pandemia que nos sufoca e uma omissão que nos mata.