Quando o pão se justifica com as... António Prates
Quando o pão se justifica
com as botas que lambemos,
muito pouco dignifica
as açordas que comemos.
I
Em tão grande brutidade
os homens parecem meigos,
pra que os filhos sejam leigos
de uma outra sociedade...
Todos andam à vontade
num bordel que se aplica
a quem teme e não critica
as tais botas obscuras,
ignorando as ditaduras
quando o pão se justifica.
II
Entre bola e pouco mais
sobram livros nas escolas,
porque faltam sempre bolas
nas justiças sociais...
Foram filhos, serão país
neste chão onde vivemos,
onde rimos e aprendemos
a cartilha dos descrentes,
quando a vida nos dá dentes
com as botas que lambemos.
III
É assim, estão na moda
essas línguas produtivas,
criam calos nas gengivas
e lambem com a boca toda...
São tacões da alta roda,
sorvedores de uma só bica,
arraial que não se explica,
sementeira da nação,
mas aqui, onde há bom pão,
muito pouco dignifica.
IV
Alentejo, este celeiro
nobre, digno, tão honrado,
não deixa de estar minado
por quem lambe o dia inteiro...
Lambe quem chega primeiro
o calçado que aqui temos,
e ademais o que devemos
é um fardo Inda mais bruto,
que tempera sem conduto
as açordas que comemos.