Surdina (em Alma Inquieta) No ar... Olavo Bilac
Surdina (em Alma Inquieta)
No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vénus se levanta...
Que frio!
Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?
Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas...
Que frio!
Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?
Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!
Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?
Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
- A morte é o último conforto...
Que frio!
Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda voz choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.
E com que mágoa o sino canta
No ar sossegado, no ar sombrio!
- Pálida, Vénus se levanta...
Que frio!