"O canto dos grilos." Eu me... Ricardo Ferraz
"O canto dos grilos."
Eu me lembro bem do canto dos grilos do lado de fora, enquanto a lamparina bruxuleava em cima da mesa. Meu avô, sentado numa cadeira na porta, cansado do dia, observava os vaga lumes que cintilavam o breu da noite. Sussurrava com a língua encostada na parte de trás dos dentes da frente uma canção que não existia, disfarçando os pensamentos por onde quer que estivessem. Era um banco comprido, de madeira antiga, já todo alisado pelo tempo. Me lembro de minha avó sentada na ponta com minha cabeça no colo. Passava as mãos pelos meu cabelos fartos procurando piolhos, e me espantava naquela luz amarelada de tão fraca, como ela conseguia encontra-los só com as pontas dos dedos. Meu avô se levantava da cadeira, e o barulho das tábuas do assoalho rangiam aos seus pés. Abria o pote de barro, pegava a caneca, e mesmo de longe eu ouvia o barulho da água descendo por sua garganta, depois voltava pro lugar, se sentava e voltava a sonhar com tudo que já tinha. A vida te leva muitas coisas, as pessoas se vão, mas a vida não leva as lembranças. E a minha vida ficou ali, grudada naquele espaço de banco, e volta e meia eu volto lá, toda vez que eu ouço o Canto dos grilos.
Ricardo F.