“Num momento de distração, decidi me... Anônimo
“Num momento de distração, decidi me tornar um escritor. Quando me peguei com este sonho na mão, disse a mim mesmo: se o senhor quer ser escritor, certifique-se de que vai escrever coisas que te darão dinheiro. Mas o estrago estava feito: sentei-me para escrever depois de anos, com uma responsabilidade nova em mãos, e o que saiu não foi uma coisa fácil e ampla: foi um soco no papel. Descontada a raiva, o preço veio. Não consegui mais parar de escrever. Na tentativa de estancar o sangramento, tentei pensar o processo, buscando me enganar e me convencer de que aquilo não era para mim. Ergui barreiras através de inveja e de obstáculos fictícios. O desprezo pelas palavras que saíram, no entanto, só alimentou o fogo. A escrita suavizou e abriu as portas de uma coisa muito funda e pesada, e, ao mesmo tempo, cristã. Aquele momento de distração me fez tomar esta tarefa cedo demais, quando eu ainda estava tentando me descobrir. Tornei-me um soldado raso incumbido de comandar um exército à batalha, sem soldo ou respeito dos meus comandados. Em tese, tudo que eu precisaria fazer seria dar ouvidos aos que falam comigo, mas eu já tinha visto coisa demais para fazê-lo. Aprendi a olhar para as pessoas no processo, então descobri que elas são terapeutas mal qualificados. Num momento de distração, respondi à pergunta que eu deveria ter passado uma vida inteira carregando em minha bagagem, temendo e ansiando pela resposta, engendrando-me no vício de esperar um amanhã melhor ao invés de viver hoje.”