Uma vez me disseram que eu... ah, já... Clarisse Leal

Uma vez me disseram que eu... ah, já nem sei o que disseram e, tampouco, faço esforço para lembrar. Estou com preguiça de escrever agora, minha alma está cansada, a cabeça pesa. Não me peçam para contar o que sinto, pois sinto tanta coisa e, ao mesmo tempo, não sinto coisa alguma.
Amanhã, sim. Amanhã eu lhes contarei o que passo. Amanhã escreverei o roteiro da minha vida, irei fazer um ensaio e apresentarei esta magnífica peça que é a minha vida. Mas hoje não. Não, não, não... Hoje não! Hoje estarei sozinha e descansarei minhas emoções. Elas gritam. Gritam muito. Céus! Já não basta estar doente dos olhos – estarei surda também?
Não: não quero pensar.
Deixe-me ver, deixe-me sentir. Só por hoje, não deixe que desperdice as sensações escrevendo. Deixe-me ser outra pessoa que não eu mesma. Criar outra coisa senão o que crio. Pensar em outras besteiras senão nas perversidades que me corroem o pensamento. Acontece que não sei criar outra coisa além daquilo que escrevo. Não sei ser outro alguém que não eu. E quem sou eu? Do que sou feita? Como escrever sobre as emoções se não sei do que são feitas?... Por cindo minutos! Por míseros cinco minutos! Permita-me apenas sentir!