Também guardei as minhas recordações... PR JARDEL CAVALCANTE

Também guardei as minhas recordações em um saco de estopa com embira amarrado ...

Mas eu não guardei matéria , lá só tem coisas da alma ...

O calor dos abraços que ganhei
A maciez das mãos de minha mãe
A força do braço de meu pai
O gosto da minha lancheira da escola
O som do choro do nascimento de cada filho meu
O latido de meus cachorros
Guardei o cansaço do dia de trabalho terminado
O frescor de cada banho e o descansar de cada sono de reparo preparando o corpo para outro dia de luta
No saco de estopa guardei os sonhos que não realizei mas não guardei com tristeza , eles estão juntos com minhas esperanças e com um punhado de resiliência que não poderia esquecer.
Lá , lá tem um monte de sabores que se misturaram com cheiros e não há especialista que os separe , é gosto e cheiro de cuscuz , de rapadura , de mungunzá , de charque , de sopa e de café , de doce quebra queixo , de espécie e de buchada , cheiro e gosto de cocada , de coalhada , é tanto cheiro e tanto gosto
Lá eu não guardei desgosto , guardei a fé em meu Cristo e as lições que meus pastores me ensinaram , mas também guardei as pregações de padre Léo, uns conselhos de Divaldo Franco e o hino 432 da harpa Cristã
Guardei chegadas e partidas , até tentei tirar de lá as saudades mas não sei como explicar , pois toda vez que afrouxo a embira e abro o saco de estopa são as saudades que primeiro aparecem .
Guardei o sim de minha esposa e todas as nossas acheganças com sons , cheiros e temperos que de ruim só produziu falta aos outros o que sobra em nós
Guardei a felicidade em forma de Gabriel , meu Neto .
Guardei tudo que podia , mas não quis guardar matéria porque o saco eu carrego e ele tem que ser leve, porque hoje eu levo ele , mas amanhã , quando chegar a hora da despedida , eu quero que ele me leve

Leve...

PR JARDEL CAVALCANTE