Os marinheiros invadiam as tabernas.... Filipa Leal
Os marinheiros invadiam as tabernas. Riam alto do alto dos navios. Rompiam a
entrada dos lugares. As pessoas pescavam dentro de casa. Dormiam em
plataformas finíssimas, como jangadas. A náusea e o frio arroxeavam-lhes os
lábios. Não viam. Amavam depressa ao entardecer. Era o medo da morte. A
cidade parecia de cristal. Movia-se com as marés. Era um espelho de outras
cidades costeiras. Quando se aproximava, inundava os edifícios, as ruas.
Acrescentava-se ao mundo. Naufragava-o. Os habitantes que a viam
aproximar-se ficavam perplexos a olhá-la, a olhar-se. Morriam de vaidade e
de falta de ar. Os que eram arrastados agarravam-se ao que restava do interior
das casas. Sentiam-se culpados. Temiam o castigo. Tantas vezes desejaram
soltar as cordas da cidade. Agora partiam com ela dentro de uma cidade
líquida.