Das paredes orgânicas da minha... LJ Nhantumbo
Das paredes orgânicas da minha progenitora
Tanta coisa se passou, minha memória não ignora
Quatro quilos e duzentos gramas quando cheguei cá fora
Bebé saudável e passei pela incubadora
Noventa e quatro é o ano, Agosto se não me engano
Hospital Central de Maputo, parto cesariana
Mãe crente, de uma família carente
Dono do feto ausente, conheci o amor materno somente
Filho único educado a respeitar não pelos bens
Respeitas-me, respeito-te, não pelo que tens
Brincava na rua das sete às dezassete
Com os amigos, descalços, sem camisete
Luta punho a punho, não havia canivete
Conversas cara a cara, não tínhamos internet
Ao anoitecer, telejornal, novela e cama
Mata-bicho pão com «badjia» raramente havia Rama
Cresci a jogar tétulas, não tinha Super-Mário
Carrinhos de arrame, sem bolo no aniversário
Fiz um rolamento, chamaram-me engenhoca
Bilhares de papelão, minha imaginação era louca
Época de férias metia o pé até a praia
Nunca sozinho sempre com amigos da mesma laia
Nando e Hipólito, Lima, Acácio e Caló
Companheiros de infância nunca estivemos só
Fazíamos casinhas, brincando de Papá e Mamã
Todos disputávamos para o papel de Papá
Diferente de uns, nunca fui a creche
Aprendi sozinho a não mexer o que não se mexe
O vício pelo dinheiro não bateu a minha porta
Mas a necessidade sim, o motivo pouco importa
Comecei a vender sucatas ao pé do cinema «Charlote»
Semanalmente tinha que conseguir outro lote
A rua foi a escola, meus amigos os meus docentes
Meus familiares próximos também estiveram presentes
Na construção da personalidade e na minha educação
Palavras não bastam, agradeço-vos de coração
Por cada lição dada com dedicação
Por cada punição a cada má acção
Por cada correcção, por cada «sim» e «não»
E por tudo que não posso dizer nesta ocasião.