"Às vezes acordo de noite e me... Jefferson Schroeder

"Às vezes acordo de noite e me vejo sozinho no meio do apartamento. E me bate uma alegria inexplicável. No meio do colchão, no silêncio dos prédios, eu ali com alguém que me faz ser eu. E me pergunto quem é este alguém que está comigo e me faz ser eu e que habita em mim e não outro. E volto a dormir e sonho sonhos deste alguém que me confunde em mim e muitas vezes me faz pensar que somos um só. De onde vem este que escreve e que move minhas mãos e alimenta meu pensamento. E assim como ele, vida que corre por entre meus olhos, talvez outros que convivem em mim ou perto ou dentro dos que vejo. Lembrei de um texto de Clarice onde ela ou o que habita nela escreve frases conexas como num fluxo de pensamento. E entre estes pensamentos me vejo e lembro que é tarde e que logo levantaremos. E penso na conversa na mesa com amigos hoje mais cedo quando comecei a falar sobre a vida sem o pudor que é comum em mim. E num impulso de conversa espontânea, quando as palavras saem apenas, comecei a falar sobre o quanto vivemos bem e quanta responsabilidade há nisso. De como o conforto te responsabiliza em fazer crescer os outros, enquanto seu tempo livre, enquanto os outros trabalham e lutam sem tantas mordomias. Porque por acaso, ou não, este eu que somos, não vivemos tão difícil como os outros que habitam muitos. Por sorte ou coincidência, temos privilégios que milhões não têm. Um homem cai no chão no restaurante ao lado. Paramos de falar. O eu dele convulsa. Talvez seja coisa dele com ele mesmo. Ele então logo volta a ser eu; o eu dele. Ouvi esses dias de uma mulher que passou mal porque seu anjo da guarda tinha trocado o turno com outro. Ela sem anjo por segundos quase morreu. E quem manteve ela sem anjo naqueles segundos? Teriam anjos todos. O que sentem os anjos de alguns. E dos que não podem mudar o turno. E agora podemos voltar a dormir, já nos vimos de novo. Esses dias pensei se temos sono todos os dias por já termos feito muita coisa, um sono atrasado, acumulado de eus. O dia passa tão rápido e mesmo assim me canso e tenho sono. Porque preciso descansar de tão pouco tempo. Tempo acumulado, sono de eu que habita muitas e muitas vezes. Fecho os olhos, e assim começo e me realimento em algum lugar. Silêncio de eus ao meu redor, todos dormem e vagam, e se encontram."