QUERIA SER COMO UM RIO Queria tanto... Adilson Santana

QUERIA SER COMO UM RIO

Queria tanto beber em meu pranto, está seco, já não sei nem mesmo chorar...

Um rio inteiro podia cair, inundar por completo esse meu mundo deserto

Não sei bem de onde vem, é lá bem do fundo e dói tanto o meu peito vazio

Destruir é sempre mais fácil que reconstruir,
descer é mais simples que subir
Meu coração é forte, aguenta a pressão,

Mas não sou eu, eu sou vago, sou triste
Sou só.

Caminhos mil eu andei, atravessei desertos fantásticos na escuridão extrema
Me dei por completo, traí, confiei, busquei um jeito de não ser vazio
Aqui dentro o meu peito

Como dói o vazio, corrói mais que ácido

Me entrego a tortura de mim, meu peito me cala

Queria tanto poder ser abrigo, um canto qualquer, não quero ter paz
Nasci no inferno, em trevas profundas,

Eu quero ver luz, não sinto meu corpo, só tenho alma e vazia
Explode meu peito, nasci como um deus, agora sou homem, ando na vida

Cansado de tanto assim ter vivido,
Caindo sempre de canto em canto, de vida em vida...

Trazendo sempre a dor profunda, que faz de mim conhecimento

Queria tanto cair como um rio, o mar secou, a vida é árida
Tudo o que é belo não me pertence, nasci um deus
Que seja então eu deus de mim, que seja eu meu próprio pai

Eu vejo o mundo, mas não é meu, terá sido um dia?

Ando aqui e nem é por mim, eu nada sei, eu tudo sinto

Que venha o pai, que me resgate, que me dê vida, que seja eu um rio inteiro

Que seja pranto, mas que seja algo que não seja assim...
Assim me dói tanto.

Viver num mundo que não é meu, eu ando aqui, mas nem é por mim´

Foi sempre assim, nasci assim, nasci um deus, sem pai para mim
Queria tanto fazer sair aqui do meu peito o mundo inteiro

Para quê lucidez de uma vida, se ela atormenta?

Eu queria o canto do mundo, um canto lindo, um canto calmo

Queria ser rio, queria inundar o meu mundo inteiro
Queria ser louco, queria ser livre, queria partir, sair daqui

Que venha o Pai, que me consuma, que eu já não sou mais dono de mim
Eu nunca fui, eu fui sempre assim, nasci vazio
Nasci um deus
Sem pai para mim

Queria ser como rio, nascer numa fonte, descer pelo monte
Por campos verdes andar, ser forte corrente, e bem lá na frente, voltar a ser mar

Inundar o abismo, o vazio de mim, poder no meu tempo evaporar

Subir lá pró alto, meu peito abrir, livrar o tormento

Queria chorar, chorar forte pranto, vir lá do alto
Tomar as entranhas da terra, subir a montanha, ressurgir numa fonte

Queria ser como um rio, por vezes tranquilo, mansinho

No tempo fugaz, trazer na corrente do meu pensamento

Somente um conto do vale encantado, ter sido por mim
O mundo criado.

Não sei, sou assim, sou meu próprio destino

Eu sou o meu canto, não, não vejo meu pranto

Porque no meu mundo, eu sou deus de mim.
(Adilson Santana) (Queria Ser Como um Rio)
ISBN: 9789898080790 - Arquivo. Biblioteca Nacional de Lisboa - Portugal