A lembrança, a poltrona e o espelho.... loppes_oficial
A lembrança, a poltrona e o espelho.
Por: Paulo lopes
Em uma sala grande de uma casa rica cheia de lindos objetos havia uma poltrona vermelha que se destacava em um ambiente de tapetes persa, espelhos com molduras douradas, lustres de cristal e muita riqueza e luxo.
Todos os dias o dono da casa sentava-se na poltrona e falava sozinho sobre seus pensamentos do dia, o planejamento para o próximo dia, acendia seu cigarro e ficava olhando para um espelho que havia bem na frente da poltrona montado em um tipo de tripé, todos os dias por alguns minutos era o mesmo ritual até que seu filho se juntava a ele e sentava no seu colo, ria, brincava, dormia... Isso por anos até o filho crescer, se tornar um homem e as vezes aparecer para conversar com o pai ao lado da poltrona.
Em um dia como qualquer outro o homem não apareceu, e após algum tempo um a um os itens foram saindo daquela sala, os tapetes, as mesas, os quadros, os espelhos, e o homem nunca mais havia feito o que fez por anos diariamente. Em um certo momento sobraram apenas alguns itens no local, incluindo junto a poltrona um dos espelhos, por sinal o menor e menos glamoroso de todos, mas aquele mesmo que o homem ficava olhando todos os dias.
Um dia sem aviso um cobertor foi jogado na poltrona e em meio aquela escuridão ela foi levada para um local pequeno, com menos luz e um canto que não dava para ver o restante do local por estar em uma ponta do cômodo.
Haviam outros itens que não tinham na casa anterior, tudo muito mais simples, a casa mais escura com paredes mal tratadas e pouca luz. A poltrona se perguntava o que poderia estar acontecendo, seu couro vermelho brilhante foi ficando opaco e sem vida com o tempo, aos poucos foi sendo esquecida naquele canto, algumas pessoas inclusive seu dono passavam por ela e nem a notavam, ela foi rachando e apodrecendo. Já sem esperança de mudança da situação e se entregando ao fim o velho homem voltou, não se sabe quanto tempo passou, mas pela aparência do seu dono haviam passado 20 anos ou mais, olhou por alguns minutos para a poltrona, limpou delicadamente com um pano velho, andou até sair de vista e voltou com aquele espelho e colocou no meio da sala, foi até a poltrona e arrastou até um ponto mais central da casa onde tinha mais luz, sentou-se nela de frente para o espelho e ao invés de falar algo apenas acendeu seu cigarro e olhou para o espelho.
Ao fim do cigarro apertou o encosto de braço da poltrona e agradeceu por estar ali e continuou dizendo...
- Obrigado por me dar esse momento de paz em meio de tanto caos, não sei se você sabe mas meu filho teve uma doença rara e por 6 meses nós gastamos tudo que tínhamos para curá-lo, vendemos quase tudo mas não adiantou. Hoje foi o dia do enterro dele e o seu único pedido foi que eu me mantivesse consciente e que eu saberia onde encontrá-lo sempre que precisasse.
No primeiro dia da sua internação estávamos abalados, chorando de mãos dadas e ele me disse que gostaria de estar sentado da vermelhinha olhando para o meu sorriso no espelho em frente. Depois desse dia eu sabia que se eu perdesse meu filho ou tudo que tinha, mesmo assim as minhas lembranças com meu filho eu teria aqui com vocês dois sempre. portanto muito obrigado por ainda estarem aqui.
Não importa o que aconteça na nossa vida, mas se podemos ser amigos, dar conforto, ouvir, dar um abraço, fazer parte de bons momentos de alguém, não importa o que essa pessoa passe, mas ela vai sempre lembrar de você e ter aquela paz novamente nem que seja por um minuto.
Nem todos tem o hábito de serem carinhosos, ou de dar muita atenção, mas todos tem como dar algum tipo de apoio e bons momentos para os outros. Amigos não estão sempre presentes, família não está sempre junta, mas crie boas lembranças e você será eterno pra alguém, ou que não seja eterno pode ser um espelho ou uma poltrona.