Uma cena, um enredo. Era uma porta larga... Moog Laet
Uma cena, um enredo.
Era uma porta larga e mais alta que o normal entalhada com um brasão de armas, antecedia dois degraus que levavam a um piso abaixo da soleira.
O salão era grande e tinha aquele ar de taberna, as paredes com marcas negras que escorriam das lamparinas. Lá no fundo escondido entre as colunas toscas que sustentavam um teto cheio de pequenas abobadas estava uma figura gorda, de bochechas rosadas e nariz adunco que tocava no cravo uma melodia renascentista enchendo o ar de reminiscências, junto com a fumaça, o cheiro de tabaco e aquele olor de álcool, tudo misturado.
Do outro lado um grande balcão de uma madeira grossa mantinha um ar de imponência, cheio de grandes canecas e taças, limpas e sujas, que se revezavam, dando espirito ao bar.
Na extrema esquerda, num canto, sentado a uma mesa um homem magro e alto, com pouco cabelo e uma barba longa fitava uma taça de pedra com vinho como se estivesse muito longe.
De mesa em mesa podia-se ouvir as previsões, as soluções, os enredos, tão veementemente discutidos e revisitados por toda aquela gente.
Ali havia solução para todos os problemas, cura para todos os males, amores para toda a vida.
De repente aquela figura esguia e de barbas longas, sai do seu canto e caminha lentamente até o centro, quando o tremeluzir das luzes das lamparinas na tentativa de acompanhar aquele corpo em movimento se esparramavam em figuras fantasmagóricas pelo chão.
Todos pararam e como se estivessem hipnotizados nem piscavam, só o cravo mantinha insistente sua melodia, até que o mestre ergue os braços e gira sobre aquelas botas sujas e surradas, de braços abertos e olhos arregalados, agora o silencio era mortal. Ele lentamente levanta a cabeça e proclama - "Bastardos já não há mais esperança, o vinho acabou!"
Subito salta de detrás do balcão, com seus desígnios e fé uma voz grave e rouca gritando " mais uma taça para o mestre", e todos despertam sorridentes daquela paralisia momentânea.
Preenchendo a cena o cravo eleva o tom e agora joga no ar uma polca ritmada e alegre, par a par levantam-se e começam a dançar uma dança como a última de suas vidas e o taberneiro com voz única e tom sério ferindo o ar com seu hálito de alcatrão e mosto anuncia: "enquanto há vinho, há esperança".
Então todos rodopiam e se abraçam, e dançam feito quem se esqueceu do amanhã.