DA RESPONSABILIDADE DE QUEM OCUPA O... Erasmo de Roterdam

DA RESPONSABILIDADE DE QUEM OCUPA O CARGO MÁXIMO DA NAÇÃO:

"Com efeito, observemos em que consistem as obrigações de um homem que é posto à testa de uma nação. Deve dedicar-se dia e noite ao bem público e nunca ao seu interesse privado; pensar exclusivamente no que é vantajoso para o povo; ser o primeiro a observar as leis de que é autor e depositário, sem desviar-se nunca de nenhuma delas; observar, com firmeza e com os próprios olhos, a integridade dos secretários e dos magistrados; ter sempre presente que todos têm os olhares fixos na sua conduta pública e privada, podendo ele, à maneira de astro salutar, influir beneficamente sobre as coisas humanas, ou, como um infausto cometa, causar as maiores desolações. Não deve esquecer-se nunca de que os vícios e os delitos dos súditos são infinitamente menos contagiosos que os do senhor, e repetir diariamente, a si mesmo, que o príncipe se acha numa elevação, razão por que, quando dá maus exemplos, a sua conduta é uma peste que se comunica rapidamente, fazendo enormes estragos; refletir que a fortuna de um monarca o expõe continuamente ao perigo de abandonar o justo caminho; resistir aos prazeres, à impureza, à adulação, ao luxo, pois nunca estará suficientemente preparado para reprimir tudo o que pode seduzi-lo. Deve, finalmente, conservar sempre na memória que, além das insídias, dos ódios, dos temores, de todos os males a que o príncipe se acha exposto a cada momento por parte de seus súditos, deverá ele, mais cedo ou mais tarde, apresentar-se perante o tribunal do Rei dos reis, no qual lhe serão pedidas contas exatas de todos os seus menores atos, sendo ele julgado com rigor proporcional à extensão do seu domínio. Repito, pois, mais uma vez, que, se um príncipe refletisse bem sobre tudo isso, como o teria feito se fosse um pouquinho sábio, decerto não poderia comer nem dormir tranquilamente um só dia em sua vida". (Elogio da Loucura)