Becos sem saída A vida nos impõe... Arcise Câmara

Becos sem saída

A vida nos impõe certas coisas desde o século passado, desde que o mundo é mundo, desde o tempo em que a disciplina lá de casa era a peia.
A sociedade nos diz que é triste viver sozinho, que não é legal viver num quartinho simples e cheio de livros, que o mundo é mais amplo e que as alternativas, as melhores alternativas é tudo que envolve grana, riqueza, família feliz e amamentação, nessa última parte eu concordo.
A gente vai vivendo a vida depressa demais, a gente se pergunta se tem tempo para se acalmar, curar as feridas abertas, surpreender a si mesma. Às vezes tudo parece nublado, tudo é muito eterno para um mundo de passagem, a gente não precisa viver como outras pessoas, a gente pode e deve aceitar nossas falhas e limitações, a gente pode melhorar e até gostar da nossa trajetória.
Nossa história é única nessa terra, a gente não pode ter uma vida como se fosse viver eternamente, temos que encaixar felicidade mesmo que não esteja mar de rosa, temos que ter plenitude sem dinheiro, segurança sem um amor, aprender as lições que a vida nos oferece sem a dor da existência.
Quando há dúvidas... precisamos seguir, quando há conflitos... precisamos seguir, quando de repente a gente recebe um e-mail dizendo: 'olha, não dá mais'... precisamos seguir, quando não tenho dinheiro para a matrícula na academia de ginástica... precisamos seguir.
A gente vai achando relacionamentos ruins como essenciais, a gente quer reconquistar de qualquer jeito porque no fundo achamos que a culpa foi nossa, a gente larga emprego, muda de ramo, desiste fácil de tudo que sonhou a vida inteira para que ele volte.
Quando percebi o beco sem saída, dei meia volta, ele não tem saída para frente, mas tem saída para trás. Adaptei-me exclusivamente a minha própria companhia, resolvi viajar por vinte dias, conheci lugares e pessoas geniais, controlei minha ansiedade de estar longe de casa e dos bichos.
Eu me sentia mais culta e mais vivida, eu estava falando mais alto que de costume, ele nem se importou, nem deu sinal de vida, nem se incomodou com as minhas fotos realmente felizes no instagram.
Sempre que alguma coisa ruim me acontece: corto o cabelo, é tão fácil mudar estilo, dar uma repaginada no visual, se achar linda e pronta para outra, essa parte de pronta para outra eu apertei no pause, vamos esperar um pouquinho, não sou tão forte quanto as minhas palavras acham que sou.
O tempo passou, um belo dia eu acordei me sentindo bonita, entendida que nascemos e morremos sós, depois de tantos natais, depois de conhecer novas maneiras de ser feliz, aprendi a me amar, passei a compreender meu mundo, minhas falhas, a importância das dores, aprendi a chorar e respeitar meu espaço, minha vida, meu eu.
Talvez eu diga o que já disse antes, talvez tenha vencido a ilusão, talvez o amor me aperfeiçoe, talvez o raio de sol que tanto eu aprecie entre pela fresta da janela, ilumine o que tiver que iluminar e basta isso para que eu possa diminuir a distância do discernimento que ninguém é feliz o tempo todo, que cada dia é um recomeço.