Ainda não tinha o terminal de ônibus,... tadeumemoria
Ainda não tinha o terminal de ônibus, já faz alguns anos, num daqueles rompantes Laura saiu abruptamente e nunca mais apareceu; cheguei a sonhar com seu rosto adornado surgindo com sua cabeleira dourada sobre a superfície da lagoa numa espécie de medusa; eram pesadelos que me traziam insônias
e me aceleravam os batimentos cardíacos trazendo-me uma espécie de apneia, depois quando eu conseguia me restabelecer corria pra varanda e ficava contemplando aquele véu prateado pela lua; vinham- me as lembranças de histórias mais tristes; visagens criadas pelo tempo, de amores consumidos pelas águas, nas vozes marcantes e inconfundíveis de meus antepassados; era bem possível que para terceiros tudo ganharia um tom folclórico e lendário, mas quem ouvira de suas bocas, dadas as devidas proporções, percebia-se, tudo era verídico. Portanto nunca era surpresa quando um corpo aparecia boiando nas águas da lagoa; mas esse não foi o caso de Laura; não foi o encanto da lagoa ou o desencanto com a vida que a levou. Talvez exatamente o contrário; talvez o encanto com tudo que soprava na brisa e aquele murmurar apaixonante que movia silhuetas quando a lua cochilava sob alguma nuvem; aquele encanto que soprava notas de alguma música, trazendo a ilusão gratuita de que a vida pode ser bela; talvez isso. Meditando assim, perdi a conta das vezes que vi os primeiros raios da aurora, ouvindo feirantes armando suas barracas, na esperança vã de ganharem a vida com a venda de seus produtos. Ganhar dinheiro jamais será ganhar a vida; assim passaram-se os anos, de modo que Laura era uma figura arredia atrás das portas; uma moldura desalinhada que mal suportava a foto desbotada; uma curiosidade que suspirava na minha alma a querer saber onde lhe levara tanta pressa de viver. encontrava sempre alguém que fazia parte daquele grupo que bebia e se derramava à noite, então o sorriso indeciso de Laura voltava a bailar às margens da lagoa como um fantasma teimoso; mas agora eu tinha Mirna, de olhar suave e fala mansa, que me falava de grandes poetas e cantarolava boleros enquanto se balançava na varanda como se a vida fosse eterna.
Numa noite depois de um evento no passeio público, nos dirigíamos à praça do Ferreira, quando num dos bares que tocava em alto volume uma música brega eu a vi, estava sozinha, sentada a uma mesa e ostentava um copo de cerveja que ergueu num leve cumprimento arremedando um sorriso; percebi como ela sofrera a ação do tempo, como o tempo pode ser cruel! Seria melhor nunca mais tê-la visto e ficar com aquelas lembranças bonitas. Agora aquela angústia se sobrepunha e Laura não passava de uma lembrança melancólica.