E eu que nunca fumei, procurava um... millaalves

E eu que nunca fumei, procurava um cigarro por toda a casa. Revirei mochilas, gavetas, abri armários, rasguei sacolas. E nada! No auge da minha loucura não me coube pensar em porque encontraria um cigarro no apartamento de alguém que nunca fumou, no caso, eu . Mas precisava de um cigarro, eu precisava de algo que me trouxesse a sensação de estar mais perto de você. E o cigarro era a sua versão industrializada. Assim como ele, eu tentava te colocar para dentro de mim mas precisava assoprar alguns segundos depois. Assim como ele, você não cabia nos pulmões nem em nenhuma outra parte do corpo. Assim como ele, você era um vício letal, feito para me matar aos poucos. Assim como ele, você dava a sensação de alivio no início, de prazer, de calma... mas logo vinha a tosse, logo o corpo reagia mal, logo o processo de destruição começava. O cigarro acabando com o pulmão, você com o coração. Quando eu tinha você, não precisava dele. Quando eu tinha você, me matar não era responsabilidade minha. Você me matava um pouco a cada dia com a falta de amor, com a pouca entrega, com as migalhas de atenção. Você me matava um pouco a cada dia, ao me fazer desistir dos meus sonhos, ao censurar minha esperança na vida, ao implicar com as minhas roupas e destruir minha autoestima. Hoje, aqui, procurando desesperadamente por um cigarro, percebo que talvez o problema fosse eu. Essa minha mania de adiantar a morte. Você era o meu cigarro enquanto estivemos juntos, mas agora, que já não te tenho, estou agarrada a ele. Aprendi a tragar, acredite. Continuo me matando aos poucos, agora sem precisar da sua ajuda. O cigarro me serve e até me deixa sexy às vezes. Semana passada sai com um carinha que me disse que era feio mulher fumar, aparentemente era um machista imbecil, mas não deixei concluir a fala, o mandei para um lugar que você deve conhecer bem e virei a cadeira. Você bem sabe como gosto de uma boa cena na rua. Quando minhas sobrinhas me perguntam o que devem fazer com seus primeiros namoradinhos, a primeira coisa que respondo é: “Não façam deles o centro das suas vidas. Ou então, quando eles forem embora, vocês não terão mais vida.”, pensando bem, foi isso que fiz. Te fiz minha vida e agora já não tenho uma. Te fiz minha vida e agora preciso me fingir de viva para seguir. Te deixei sugar todo o amor que havia em mim e agora o que tenho? Nada. Mas tem uma padaria ali em baixo do prédio, eu vou descer e comprar cigarro. Estou trocando um vício pelo outro. Você por ele. Talvez realmente o problema seja eu.