Da minha consciência ancestral: Ontem,... Aline Djokic
Da minha consciência ancestral:
Ontem, sentada frente ao espelho
Ia cuidar dos meus cabelos
Com o creme de alisamento
Abri o pote e o forte cheiro
Adentrou‐me as narinas tão violento
Fazendo‐me fechar os olhos
Por um momento
Abri‐os novamente e ela estava lá
Sentada ao pé da cama a me mirar
Pés e mãos acorrentados
A lágrima no rosto a brilhar
De onde vem, sussurrei
Do outro lado do mar
O fedor aqui é tão forte
Já não posso respirar
Ontem, sentada frente ao espelho
Ia cuidar dos meus cabelos
Esperava a chapinha esquentar
Estiquei a primeira mecha
Mas, descuidada queimei a testa
Senti a pele a latejar
Fechei os olhos, contendo a dor e o ódio
E quando os abri, ela já estava lá
Na bochecha uma cicatriz
Quem lhe fez isso? Saber eu quis
Ela levantou‐se e tocou minha queimadura
Depois falou‐me com ternura:
Agora a qualquer lugar onde eu for
Saberão sempre quem é meu senhor
Ontem sentada frente ao espelho
Resolvi amar os meus cabelos
Sussurrei seu nome com zelo
Esperei ela se sentar
Ela se achegou sem receio
Recostou minha cabeça em seu seio
Começou a pentear
A cada mecha, a cada trança
Uma memória, uma lembrança
Que o medo não pode apagar