Manifesto pela imperfeição Eu posso... Jéssica Miranda Pinheiro

Manifesto pela imperfeição

Eu posso ser imperfeita. Você pode ser imperfeito. Nós podemos não corresponder as expectativas das outras pessoas sobre a nossa própria vida. Eu me permito chegar atrasada, descabelada, sem maquiagem. Eu me permito exatamente o oposto, também. Eu me permito fazer o que eu quiser com meu corpo, mesmo sabendo que talvez seja para corresponder a um padrão. Eu me permito, aliás, fugir de todos os padrões e também voltar pra eles, quando assim eu sentir que preciso. Eu não preciso fazer tudo que meu grupo faz para assim me sentir pertencendo. Eu me permito pertencer a mim mesma. Eu me permito, assim, ser um pouco dos outros também.

Eu me permito a contradição, a ambivalência, o desejo, a repulsa.
Eu me permito ter afeto por quem eu sei que não posso confiar. Eu me permito ser eu mesma nas minhas relações, ainda que uma voz dentro de mim diga que é preciso cuidado, que num grupo não vão me amar se eu falar em gratidão e que no outro não vão me querer se eu falar em luta de classes. Eu me permito amar intensamente e também devagar. Eu me permito me entregar, mesmo quando tudo diz que eu devo fugir. Eu me permito desistir e encerrar os ciclos, quando o momento chegar. Eu me permito julgar os outros, depois desjulgar, depois acolher, depois entender que sou humana. Que o outro também é. Que o outro não precisa corresponder as minhas expectativas. Que é só preciso estar inteira. Eu me permito ser inteira! Ir até os porões da minha (in)consciência e abraçar todas as minhas sombras. Acolher uma por uma: a minha raiva, a minha violência, a minha dicotomia, os meus medos, a minha culpa, a minha ingenuidade, o meu romantismo, inclusive a minha necessidade de querer ser perfeita e todas as demais que eu for descobrindo. Me permito acolher isso que convencionamos chamar de mal também em mim. Por que nesse mundo dual, onde só existe o frio, se existir o quente; só existe bem, se existir também esse tal de mal.

Eu me permito ser inteira, pegar todas as minhas máscaras, tudo aquilo que eu tive que fingir ser por um tempo e acabei me tornando mesmo: a sabe-tudo, a ecumênica, a amiga-de-todo-mundo, a líder católica, a confusa, a depressiva, a compulsiva, a politizada, a forte, a corajosa, a combativa, a militante, a inovadora. Eu agradeço a todas elas e escolho seguir em frente, mais eu mesma, mais essência, mas sabendo que se for preciso, todas elas também são eu.

Eu me permito ser inteira: inteiramente imperfeição e tão eu, tão eu, tão eu, que chego a transbordar. E nesse transbordamento que eu me derrame nos outros e eles em mim e a gente vá descobrindo que ninguém é sozinho. Que cada eu é um nós. Que a gente é um todo, um tudo, uma coisa só. E assim, tão imperfeitamente juntos, somos poeira de estrela, energia que cria e destrói, que transforma e amarra. Estamos em nó – em laços, e por isso mesmo, reconhecendo nossa unicidade nas diferentes imperfeições, seremos verdadeiramente livres.