A carta Tenho uma mania nostálgica de... Alexandre Santos
A carta
Tenho uma mania nostálgica de ligar memórias às pessoas em pontos nas ruas ou lugares que passo de carro, sobretudo quando estou dirigindo em horários calmos, cujo transito é quase nenhum, tentando me perguntar o que fez aquela pessoa quando passou ali? Faço isso sempre que penso em alguém que se foi para sempre. Porque é como se eu dissesse a mim mesmo, eu passo agora aqui, mas ela não passará mais.
Dá até vontade de escreve uma carta tentando-me desculpar por não ter me despedido corretamente. Por sinal a gente vive tanto em torno do nosso próprio ego que nos esquecemos até de perceber as outras pessoas quando estamos juntos delas.
Fui a mais um desses grandes encontros de” amigos antigos”, nem todos estão afastados lógico, sempre nos vemos, conversamos e temos amizade diária, mas na sua maioria é óbvio que perdemos o tato de como chegar; como diria o poeta: “No rio da vida, passou muito água sob a ponte”, e com as águas, foi embora toda intimidade propícia das grandes amizades. Daí que você descobre que se quiser mesmo vai encontrar desculpas para não puxar conversa com esse ou aquele; percebe que se fizer um esforço vai ter todas as razões para continuar com um grupo seleto aqui ou acolá e não vai perguntar nem como vai para aquele ou aquela da festa. Tem sido assim com todo mundo. Parece que com os anos, certas coisas ainda permanecem presas na memória. Não é privilégio só meu – vejo essa mesma condução com outros tantos amigos... “Se ele não fala, eu também não falo!” Termina a festa e mais uma oportunidade foi perdida. Sabemos que foi maravilhosa, a festa! Mas não conversei com todo mundo. Talvez nem quisesse ultrapassar a barreira daquele meu grupinho seleto.
Nas cartas de Marco Polo para o monge Sifu, perguntou-se sobre a razão da tristeza. E o velho monge respondeu: “Se você quiser, vai encontrar uma desculpa ou outra para continuar triste. Provavelmente estará certo sobre suas razões. Provavelmente todos estarão certos sobre haver desculpa suficiente para ficar triste a vida toda. A razão sempre existirá forte para aqueles que querem continuar tristes...”
Muito corretamente Sifu queria dizer que se você quer continuar certo sobre suas razões, haverá de encontrar respaldo para tudo. Porque ninguém vai satisfazê-lo nunca. As pessoas não nasceram para preencher nossas vidas completamente. Daí que é apenas opção sua manter-se longe de tudo e de todos. É opção sua, escolher quem ou quais farão parte de sua caminhada nessa vida. Mas, todos, de algum modo com prazo curto ou longo, terão que cuidar da sua própria jornada com ou sem você. Daí elas também terão suas próprias desculpas e suas próprias razões para não falarem como era antes com você.
Por isso pensei na carta que deveria escrever para cada um que deixei passar. Muita gente deixa para sentir falta, culpa ou remorso quando não tem condição alguma de sentir... quando a vida leva essa ou aquela pessoa do nosso convívio. Todo dia criamos a desculpa que amanhã ou depois eu falo. Eu resolvo.
Provavelmente muita gente tem seus motivos para não falar com esse ou aquele. Todos serão válidos, até porque muito certamente eles terão também os mesmos argumentos que você ou eu tenho para não fazer nada a respeito. E assim o tempo passa como um relógio acelerado. O mundo não será o mesmo. Nem eu ou você muito provavelmente passaremos mais mais por aqueles mesmos lugares; não deixaremos mais marcas em lugares ou situações em que ambos estivemos presentes... As desculpas ganharam da gente.