Um caso real da literatura brasileira... EVAN DO CARMO

Um caso real da literatura brasileira

Seguindo a sua rotina, a de sempre ir ao supermercado no final da tarde, para fazer compras para o jantar, o Antônio não tinha muita pressa, vivia sossegado. Era metódico e organizado, sempre saia na mesma hora de casa, seguia seu ritual diário. Entrava em seu carro, um 4x4 esportivo, dava a partida, ligava o som, para ouvir as notícias do final do dia, seu carro não era exatamente um carro de playboy, mas era um carro bonito e possante, que chamava a atenção das pessoas, pelo seu tamanho e potência.
Eram seis e meia da tarde, ou da noite para alguns, o fato é que era noite para o Antônio, pois em sua região o sol se punha mais cedo. Neste dia, porém, em que relato os fatos ocorridos, fatos dignos de atenção do leitor desta coluna, o Antônio achava que seria apenas mais um dia como os demais, que iria ao mercado, voltaria em paz e segurança, e que faria sua costumeira comidinha caseira para agradar a sua esposa. Antônio era jornalista aposentado, na verdade vivia de renda, tinha lá um pouco de dinheiro aplicado, dinheiro que recebera por uma aposentadoria voluntária, que o governo brasileiro havia promovido e incentivado antigos servidores federais a se aposentar antes da hora.
Antônio estava na melhor fase de sua vida, tinha casado já seus dois filhos, vivia com esposa a sua terceira lua de mel. Era um casal ainda jovem para os padrões atuais, ambos com sessenta anos, fortes e saudáveis, tinha uma vida sexualmente ativa e muito satisfatória, não tinha muito com o que se preocupar, vida financeira equilibrada sem nenhuma grande causa para lutar, queriam apenas viver e aproveitar seus melhores dias.
Antônio, neste dia em questão, foi ao mercado, como sempre fez, comprou seus ingredientes para o jantar, verificou que havia chegado o seu vinho favorito, vinho que ele tomava sozinho, uma garrafa por semana, especialmente na hora de cozinhar. Conversou com a moça do caixa, falou da família e dos netos, incentivou a atendente do caixa a estudar, pois segundo ele, a vida tinha muito mais para oferecer do que um emprego simples de caixa de supermercado. A moça agradeceu, como sempre fazia, era solista, mas não tinha lá grandes chances de subir na vida, pensava o Antônio, que ela apesar de ouvir seus conselhos nunca deixaria de ser caixa, estava na verdade contente com seu trabalho.
Antônio pagou sua conta e se despediu de todos, entrou em seu carro e seguiu para sua casa, que ficava a duas quadras do supermercado. Antônio morava em um condomínio de classe média, tinha seus privilégios quanto ao luxo de morar bem, morava em numa cobertura, seu prédio tinha área de lazer e segurança 24 e horas por dia. A garagem era como sua sala, não tinha a menor chance de ser abordado por estranhos.
Mas para tudo na vida sempre há, como dizem os mais velhos, sua vez. E este dia era a vez do ineditismo acontecer com Antônio. Ao sair do carro, foi surpreendido por um homem bem vestido, que lhe apontou uma arma e disse:
-Entre no carro, vamos dar uma volta.
Antônio calmamente lhe respondeu:
-Não vou a lugar nenhum. Se quiser me roubar, me roube aqui mesmo, e se por acaso deseja me matar, faça aqui, pois não costumo andar com estranhos, muito menos na hora sagrada de fazer o jantar para minha esposa.
O homem bem vestido, que ainda não sabemos ser um ladrão comum, balançou a cabeça e disse:
-Mas você é mesmo louco, não está entendendo o que lhe digo, ou está tirando onda com a minha cara? Estou lhe dando uma ordem, entre no carro e dirija para fora da cidade.
Antônio olha para o lado, não vê ninguém, está sozinho, apenas ele e o ladrão, ou o lunático que desejava dar uma voltinha de carro com ele. Antônio pensou, que seria mais um pervertido, pois o homem bem vestido não tinha as características comuns de um assaltante. O homem vestia um terno preto, mas de boa qualidade, não era um segurança do prédio, Antônio conhecia todos os empregados do seu condomínio, e, para estar ali, e ter entrado pela portaria, só podia ser um morador, alguém que premeditou cuidadosamente o evento.
Antônio diz para seu algoz, ainda com aparente calma:
-Não sei o que o senhor pretende com esta história de andar comigo de carro, poderia ser mais claro? Seja direto, o que realmente deseja? Como o senhor se chama?
O Homem abaixou a arma, se encostou no carro e começou a chorar. Entre lamentos dizia:
-Sou um desgraçado, me desculpe. Estou com uma doença terminal, moro aqui já faz alguns anos, sou viúvo há muito anos, e tenho observado a sua vida tranquila, sua rotina diária. Já pude ver o quanto é feliz com sua esposa. Então por viver só e abandonado, sem filho e parente por perto, e ainda condenado à morte, resolvi fazer alguma coisa para chamar a sua atenção. Veja, eu falo a verdade, esta arma, por exemplo, é uma arma de brinquedo, comprei com este intuito, o de lhe causar algum sofrimento e angústia. Mas sua reação me deixou ainda mais confuso. Quem em sã consciência, neste mundo perigoso, agiria desta forma ao ser abordado com uma arma na cabeça?. Qual é o seu segredo, por que leva a vida desta maneira incomum?
Antônio riu do homem, que ainda chorava descontroladamente e disse:
-Não tenho nenhum segredo, meu amigo, só penso que a vida não é assim tão complicada, como parece para a maioria das pessoas, e quanto a morrer nesta altura da minha vida, não me diz nada, tanto faz, estou satisfeito com o que fiz e vivi até aqui.
-Mas me conte mais sobre sua vida e doença, quem sabe eu não posso lhe ajudar.
O Homem de terno preto, marchou em direção a uma lixeira e jogou a arma de plástico. Voltou em direção ao Antônio e disse:
-Me desculpe, eu sou um homem desgraçado, mas poderia me fazer um grande favor? Não conte sobre isso para ninguém, nem me entregue para a polícia. Eu não mereço tanta consideração assim, esqueça este meu vexame.
Antônio olhou com piedade para o homem, que agora já estava mais calmo e disse:
-Não se preocupe, será o nosso segredinho, e se ainda quiser dar um volta no meu carro, podemos ir. O homem riu desconcertado e disse:
-Não, muito obrigado, tenho que voltar para casa já está na hora de tomar os meus remédios.
Antônio pegou suas compras, acionou o alarme do seu carro, entrou no elevador e entrou em casa sorrindo, como quem tivera uma visão de algo inverossímil.