Bateu uma nostalgia... Ingrata, faminta,... Bruna Romero
Bateu uma nostalgia...
Ingrata, faminta, carniceira,
Possessiva e hóspede permanente.
Não trouxe nada na bagagem,
veio coberta de farrapos e fuligem,
sussurrando bêbadas bobagens.
Entrou sorrateira,
atravessou a casa e sentou-se na soleira
para respirar a última flor na roseira.
Olhou por cima do ombro
e fitando minha cara de assombro
esboçou um sorriso rubro.
Tal como quem esquadrinha uma alma
guiou-me com a calma
como se de minha criança fosse ama.
Apontou-me no espelho,
onde senti meu rosto velho
e meu espírito banhado em vermelho.
"Breve não virei, mas ela..."
"Aquela invejosa, fria e magricela...?"
"Não, a saudade: solitária donzela."
Foi-se conformada,
com a essência desabafada,
o andar lento e em paz mergulhada.
Infame! Deixou-me a pensar,
temer, tremer, caducar.
E quando a donzela chegou, pus-me a chorar.
"Seu rosto está cansado,
seu espírito abatido
e seu corpo enfraquecido..."
"E você está atrasada,
e apesar de toda arrumada
em seu âmago foi destruída!"
Cerrou o riso lívido
e enegreceu o olhar cálido:
"Amanhã já terá partido!"
Ah, sentença tão esperada
em bancos de praça, em orações suplicada,
"Agora sim, vida bandida! Está acabada!"
Passaram-se mais manhãs,
novas tardes colhendo hortelãs,
outra leva de noites órfãs.