Às vezes, quando ergo a cabeça... Bernardo Soares,

Às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros
em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria,
sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que
transcende os números e a desilusão. A vida desgosta-me
como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões
claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse
a simples força de o querer deveras afastar.
Vivemos pela ação, isto é, pela vontade. Aos que não
sabemos querer — sejamos gênios ou mendigos — irmananos
a impotência. De que me serve citar-me gênio se resulto
ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer
ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio,
mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos
do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que
ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio.
O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois
de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser.
Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e
não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem
qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não ficarem
ali ?