Sendo variável o nosso “eu”, que é... Gustave Lebon
Sendo variável o nosso “eu”, que é dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, não variando as circunstâncias, o procedimento do indivíduo observado não mudará. O chefe de escritório que já redige há vinte anos honestos relatórios, continuará sem dúvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre não o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixão forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herói.
As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possíveis variações da personalidade, que impedem de conhecer a fundo os nossos semelhantes, também obstam a que cada qual conheça a si próprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filósofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de empréstimo, mentirosa. Assim é, não só porque atribuímos a nós mesmos muitas qualidades e não reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como também porque o seu “eu” contém uma pequena porção de elementos conscientes, conhecíveis em rigor, e, em grande parte, elementos inconscientes, quase inacessíveis à observação
O único meio de descobrir o seu “eu” real é a ação. Cada qual só se conhece um pouco depois de ter observado a sua maneira de agir em circunstâncias determinadas. Pretender adivinhar como procederemos numa situação dada é muito quimérico.
O marechal Ney, quando jurou a Luis XVIII que lhe traria Napoleão numa gaiola de ferro, estava de muito boa fé, mas não se conhecia; um simples olhar do Imperador bastou para mudar a sua resolução; o infortunado marechal pagou com a vida a ignorância da sua própria personalidade. Se estivesse mais familiarizado com as leis da psicologia, Luiz XVIII lhe teria provavelmente perdoado.