Foi naquela manhã fria e chuvosa que... Marcos Godoy
Foi naquela manhã fria e chuvosa que ele se dirigiu a ela pela última vez.
Mesmo que as promessas nunca se cumprissem, ela pressentia que ele a deixaria. Era como se todos aqueles anos já fossem suficientes para aclarar tantas coisas que se fizeram extremamente nebulosas e ela já se encontrasse em grau de consciência nunca antes chegado.
O cheiro de café já se sentia na sala. Ela se levantou lentamente da cadeira que ficava em frente à janela junto à porta da frente, e foi até a cozinha pegar uma xícara de café.
Ele a acompanhou no mesmo ritmo de passos e disse: "as coisas são como elas são. A beleza das coisas está na unicidade da sua natureza. As vestes não mudam as criaturas. Apenas as adornam aumentando na maioria das vezes a beleza. Veja que as rosas podem ser de variadas cores e desabrocharem em lugares e momentos diferentes. Mas, sempre serão rosas e nunca margaridas ou gerberas.
Não se resigne da sua natureza. Você é o que é e não uma receita de manjar tão discutida e modificada pelas comadres da praça, a cada novo ingrediente que chega na mercearia do bairro. Você não é uma novidade que a cada dia se estabelece de forma tão efêmera, que basta acrescentar-lhe uma letra ao nome para deixa de ser o que era. Faça apenas protótipos de você mesma. Se experimente em cada nuance do seu interior. E nunca esqueça que os homens se pintam para a guerra e as mulheres para amor".
(M. Godoy - Trecho de As Ruas Invisíveis)