AMIZADE Ultimamente tenho pensado no... Avandelson Ferreira da Silva

AMIZADE


Ultimamente tenho pensado no valor da amizade, e por isso, veio em minha mente alguns pensadores que possui uma visão singular e muito semelhante sobre o termo.
Como não recordar do pensamento de Exupéry que diz: “tu te torna eternamente responsável por aquilo que cativas”, na obra O pequeno príncipe. Quem conhece não tem como esquecer, não é verdade?
Ora, temos que ver por outro anglo. Qual o significado de cativar? O que cativamos quando cativamos? Que interesses têm em cativar alguém?
O significado, segundo o dicionário, não é tão bom quanto imaginamos que fosse, pois prender, sujeitar é o mesmo que escravizar um sentimento, ou uma pessoa. Para que ela fique perto de ti. Para que ela seja sua. Uma posse.
Ainda por cima podemos citar o mesmo autor dentro de outra perspectiva – “foi o cuidado que tu tevês com a tua rosa que a fez tão importante”, talvez, a dinâmica da amizade não está no cativar, mas no cultivar ou mesmo no cuidar.
Quando cultivo eu cuido. Quando cuido eu quero bem, porém eu tenho que entender que a outra pessoa não é minha posse, não é um objeto para o meu bel-prazer.
Tem uma imagem que me chamou muito atenção num livro que li há muito tempo. O título é: “... Amizade talvez seja isso...” do Padre Zezinho. Em suas páginas além dos textos tinham imagens de pessoas, de amigos juntos!
Uma delas me chamou atenção. Tinha duas meninas. Que estavam conversando alguma coisa. Aí, de repente, uma conserta a gola da blusa da outra. Vendo aquela cena em uma foto que se seguia com uma mensagem especificando assim: “amizade é um cuidar sem interesse”.
Estavam as duas conversando alguma coisa que nem sei lhe dizer caros leitores, porém, foi manifestado um desejo interno em uma delas em simplesmente conserta o que não estava arrumado na outra.
Onde quero chegar com isso? Não quero aniquilar o pensamento de Exupéry e dizer que as ideias defendidas pelo Padre Zezinho virá à ser mais atual e que o cativar na verdade é aquilo que já foi dito anteriormente, algo negativo.
Não é isso!
Quero trazer outra posição para uma mesma temática, pois “não podemos viver com as regras de antigamente sendo que a dinâmica do universo que vivemos é outro”. Esse argumento é uma espécie de paráfrase ao pensamento de Renato Russo em uma entrevista para o lançamento do CD presentes.
Mas quero elucidar que a verdadeira amizade se encontra no caminho da virtude, pois a mesma se for articulada para os meandros da utilidade e do prazer não gerará a vivência da plenitude na relação entre as pessoas.
Com isso, os homens que direcionarem a relação para o principio do prazer e da utilidade provocará apenas o mau, porém se os mesmos abdicarem disso irá viver a vida plena.
Mas podemos pensar em uma série de caminhos para fundamentar uma vida plena. Com isso, podemos perceber aqui o ideal abordado por Sócrates: “Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolver em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos”.
Podemos usar um termo cristão católico que é o in persona christi, ou seja, assemelhar-se a Cristo. Tornar-se próximo. Aconchegar-se. Ficar perto dele. Ter algo que se identifica como participante do ser de Cristo.
Para o filósofo Grego Platão a amizade se vincula à seguinte dimensão: “A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”.
A amizade é uma via de mão dupla. A minha felicidade tende a possibilitar a mesma coisa para meu amigo. Contrariando essa dinâmica a mídia televisiva só revela em seus programas que defendem a inimizade como forma de ganhar ibope, inclusive, nas novelas que articulam apenas a violência e o medo nas relações entre as pessoas provocando certo afastamento, pois o que se estrutura é que a arte imita vida.
A arte é uma imitação da vida. Quer dizer que a vida é esse processo de falseabilidade que se revela nas tramas das novelas. Com isso, forma-se uma sociedade desumana, medíocre, hipócrita e infeliz.
Penso que a arte poderia ser vista como elemento que forma uma nação crítica, feliz, honesta, guerreira e educada.
Ela não pode ser uma imitação da vida como dizia Platão, mas que se fortalecesse com a educação de seu povo ao denunciar as impurezas dessa sociedade que vivemos e não como massa de manobra, mas sim como elemento de mudança da consciência, ou melhor, da formação de nosso povo.
Logo podemos perceber que não existe verdadeira amizade, pois se assim existisse estaríamos vinculados à perspectiva de duas amizades a real e a irreal.
Portanto, defendo que existe uma única amizade e a ela se compreende todo requisito que define a essência da virtude. Caso contrário, não será amizade.
O que pensar da amizade de Rubem Alves com o seu pai que lhe presenteou com um pé de rosmaninho e ele, por sua vez, o plantou próximo à janela de seu escritório e sempre o contemplava e conversava com ele num eterno processo de recordação, pois o seu pai já havia partido.
Uma “estória” bela, muito bela. Encontrei no livro: Creio na ressureição do corpo: meditações. Essa história é uma espécie de teofania termo utilizado por Octavio Paz para se referir à ideia de sagrado.
Aquele ambiente onde estava plantado o pé de rosmaninho era um local sagrado, pois por lá ele encontrava com algumas lembranças de seu pai. Alves argumenta: “a saudade nasce onde existe amor e ausência”, é naquele local que se vive o advento, a perspectiva do encontro.
Ainda nessa dinâmica vejo outra relação de amor como direcionadora da amizade que se encontra no sonho. Aquele homem para Rubem Alves não era apenas o seu pai, porém era um grande amigo que ficou simbolizado em um pé de rosmaninho. Somos humanos e construímos símbolos para identificar nossos laços.
Recordo-me nesse instante daquele verso de Cecília Meireles que fala sobre o mistério sem fim que se articula assim:
No planeta, um jardim.
No jardim, um canteiro.
No canteiro, uma violeta.
E na violeta.
Entre o mistério do sem-fim e o planeta.
O dia inteiro,
A asa de uma borboleta.
Tudo começa num jardim. Em um local apropriado. Esse jardim que abordo não é o que imaginamos como jardim. Não é isso! O encontro entre as duas almas que se somam é a transubstanciação de o infinito em um segundo.
Para isso, acontecer será preciso seguir a locução do místico Angelus Silesius:
Quem não tem o paraíso dentro jamais o encontrará fora.
E para ter um paraíso dentro de si será preciso cultivar algo que a poetiza mineira Adélia Prado estrutura com maestria no passo seguinte:
“A poesia, a mais humilde, serva da esperança...”.
Então, a amizade é pura poesia?
Não acredito que seja.
Penso que a poesia tem muito na amizade, mas a principal característica que ela tem é a sabedoria.
Mas, afinal, o que é então a sabedoria?
É uma espécie de arte de degustar a vida como comida, pois se prova o aperitivo da vida com a boca e então se decide se aquilo é digno de ser comido. O sábio é um degustador.
Nisso Rubem Alves assegura no livro – Perguntaram – me se acredito em Deus: “Deus não é objeto de pensamento. É objeto de degustação”.
Logo, como você, leitor definiria a amizade? Qual conceito lhe é mais apropriado? A definição de Platão? Aristóteles? Rubem Alves? Exupéry?
Pense...