Não vejo alegria no seu olhar É... Arcise Câmara
Não vejo alegria no seu olhar
É difícil interpretar o outro, é difícil entender um pseudo-religioso, é difícil fingir ser séria e incontestável, a verdade antes vem à tona, nenhuma palhaçada é eterna, eu nunca me dei ao trabalho de questionar se as pessoas são felizes de verdade.
Ela está sempre crivada de hematomas, não esquenta com nada, seus pontos e vírgulas estão no mesmo lugar, sente-se orgulhosa demais para a família que construiu.
Deixou aos poucos de ser jovial, tornou-se passível de investidas desumanas, socos, pontapés, chutes na barriga, nunca decidiu se libertar, evitava participar de confraternizações com os olhos roxos, estava sempre com o sorriso maravilha de sempre.
Todo mundo comentava que homens traem, que homens desrespeitam, que homens mandam ver, mandam brasa, cresceu com a percepção distorcida de igualdade e justiça.
Durante as férias eu quis distância dessa amizade, sofria com suas mentiras, suas desculpas, seu jeito de honrar a família, dói em mim ver a vida passando para ela, dói a ver passando e você representando o papel de mulher perfeita, de sabedora da moral e dos bons costumes.
Me explica essa história direito que eu não estou entendendo, o que faz um “felizes para sempre” desse jeito, para mim felicidade é igual passagem de ano novo, um ritual igual para todo mundo, mesmo com expectativas diferentes, sentimentos bons ou ruins, sensação de reflexão ou não, parte da rotina ou incutida pela sociedade cheia de regras.
Sei lá, não consigo conviver com sujeitos de lua, ou de gente que acha que não foi amada suficiente quando criança, ou ainda que precisa superar a ingerência de alguém, ou homens que acham que podem fazer tudo, inclusive bater e as esposas tem que aceitar.
Amor ambíguo, todo mundo feliz, pretextos para cada perdão, enquanto você é tratava com pétalas de rosa após um surra horrorosa. Calma! Calminha! Faz parte de sua natureza se arrepender e fazer de novo, se arrepender e mais uma vez, se arrepender e ouvir caladinho um sermão de que aqui não é casa da mãe joana e que as coisas serão diferentes de hoje em diante... Até a próxima porrada.
Desculpa se fui indelicada, todo dia eu me perguntava cadê a coragem de dizer as minhas verdades, cadê a minha humildade em aceitar o que de fato ela aceita para si mesma, cadê o meu inconsistente que não me deixa deixar pra lá.
Às vezes a sinto pela metade, por vezes descarregou suas necessidades em mim, jogava a sujeira no ventilador quando estava saturada, mas depois contava outras versões e jurava de pé junto que jamais falou algo do tipo e é capaz de me chamar de louca.
Por motivos que eu desconheço ela vive essa vida e garanto que ela não é infeliz o tempo todo, mesmo desse jeito amador, mesmo sendo grossa comigo, mesmo me mandando eu não me meter eu matava no peito e engolia o sapo.
Ela era uma mulher forte e não se deixava vencer, era uma decisão para peixe grande colocar a família em primeiro lugar, sem rifar ninguém ou rifando a si mesma. O sangue ferve para defender o amado, cheiro forte digno de amor me invadiu, sendo freada o tempo todo é assim o que ela sente por felicidade.
Já me poupei de crises de nervos, as coisas não são oito ou oitenta, podemos muito bem separar as coisas, sem nos enfezar ao extremo, sem gesticular bastante, sem jogar um jogo de vida ou morte em que a pancada possa ser irreversível, sem achar que nunca vai morrer, sem acreditar que aos poucos ele se cansa de bater e principalmente sem fingir um sorriso que não convence ninguém, nem a si mesma.