Nasceu em Portugal. Vive no Canada.... Fernanda R. Mesquita

Nasceu em Portugal. Vive no Canada.

Textos retirados do blog pessoal da autora.

'' 1961. Quantas coisas podem acontecer no ano em que nascemos ou numa data em que algo importante nos acontece! Com menor ou maior importância todas as ocorrências ramificam a sociedade, mesmo as que não florescem.
Pensando bem foi uma época cheia de vontade para mudar. Os direitos das mulheres começavam a ganhar voz e surgia devagar o direito ao divórcio. A televisão nascida recentemente funcionava um pouco como um manto para esconder a realidade de Portugal e para entreter os olhares dos portugueses. Os artistas, os escritores e os cineastas iam-se impondo com uma certa dificuldade, mas impunham-se. Como cantores destacavam-se Simone de Oliveira, Madalena Inglesias, António Calvário e Artur Garcia. Nesse verão,a 13 de Agosto, Mário Silva vencia a volta a Portugal em bicicleta. Vingava uma das maiores empresas alimentares de Portugal; as Carnes Primor. Eusébio tornou-se jogador do Benfica, em Maio de 1961, já com a época quase a terminar, mas ainda a tempo de se tornar campeão nacional no seu 1º ano ao serviço ao Benfica. Era criado o Instituto Gulbenkian da Ciência. João Osório, um dos fundadores da Casa da Comédia estreava a sua primeira peça literária `` D. Henrique de Portugal``, no Teatro Nacional D. Maria. Almada Negreiros decorava as fachadas dos edifícios na Cidade Universitaria de Lisboa e nascia Ricardo Pinto, escritor de literatura fantástica e uns dias antes de eu nascer, estalava a Guerra de África.
Vivi a ditadura e o dia em que nos libertamos dela.
Da História antes do 25 de Abril? A História de Portugal, eu conhecia através da matéria que dera na Escola de Ensino Primário e no Ciclo Preparatório. Mas não só! Aprendi a conhecer o ambiente político do país onde nascera e vivia, pelas inúmeras histórias contadas pelos adultos, sobretudo pelo meu avô

Guardo na memória, a sala de aula na pequena escola da aldeia... a minha tão amada sala de aula! No entanto, hoje, seu sei, que o que lhe dava vida, eram os nossos sonhos de meninos. Ela tinha cheiro a aventura. Era como um navio, onde entrávamos e podíamos viajar pelo mundo inteiro, sem sair dali. Mas, eu não sabia ainda, que tudo ali era comandado pelos ideais políticos de um só homem; Salazar. Lembro-me da enorme cruz, no meio das molduras escuras, com as fotos a preto e branco do Presidente da República e do Presidente do Concelho. Todas as manhãs, antes do início das aulas, ficávamos de pé, solenemente direitos, para cantar o Hino Nacional. A importância deste ritual não era sentida apenas, ´´ antes do início das aulas``, porque, este ritual obrigatório, estendia-se e fazia-se sentir em toda a nossa educação. Muito mais tarde, viria a entender o poder da figura de Salazar na vida do povo português. Até ali, ele não passara de mais um personagem nas história que o meu avô contava, após a ceia, em frente à lareira, que nos aquecia nas noites frias de Inverno. Anos depois compreendi, o verdadeiro significado do tom mais baixo, que ele usava quando falava do Estado Português. Por vezes ele falava de alguém que se tinha excedidos nas palavras e simplesmente desaparecera, sem que mais ninguém soubesse dele.
Depois chegou a liberdade. Uma liberdade que convidou muitos portugueses a emigrarem.

Somos um povo mais aberto, podemos circular por toda a Europa e sabemos o que vai pelo Mundo. Todas as casas (quase) têm esgotos, electricidade, são equipadas com eletrodomésticos mas não existem condições monetárias para pagar tudo isso. É como se a liberdade tivesse sido ganha pela metade. As famílias que continuam a perder as suas casas, os velhos condenados a reformas precárias e cada vez com menos direitos que os ajudem a envelhecer com dignidade e as crianças que vão para a escola com fome, são a fotocópia perfeita do resultado de um governo desequilibrado, arrogante e insensível. A agricultura, as várias indústrias e comércios vivem de incertezas, abalados pelos limites que lhe são impostos.

- Não terão escasseado as uvas, porque as cepas foram cortadas a troco de dinheiro estéril?

Viva a poesia!

Viva o amor!


´´Vivi várias realidades; a algumas, àquelas de péssima índole,
cheias de códigos maliciosos e de raízes malignas... voltei as costas.
Depois de uma regularidade excessiva em campo de batalha,
entendi que não falávamos a mesma língua...
E como não queria viver na sombra ou em permanente conflito,
consumida por ódios e lágrimas, converti-as ao isolamento.
Tranquei a porta, pregando eu mesma, tábua a tábua...
(Senão, não me sobraria tempo para viver e amar.)
Agora sei que morrerei nova, ainda que morra com cem anos de idade!``