Eu não me importo com o sacrifício... Arcise Câmara

Eu não me importo com o sacrifício

Estou com uma aparência horrível, umas acnes depois dos trinta, um inglês decadente, uma colheita ruim. Meu pai só sabe falar disso, de como me acomodei, de como ficava muito tempo na rua, como eu estava com sintomas de doente.
Cheia de ressentimentos, tenho vergonha da maneira como fui tratada por um monte de gente, muito interesse em saber da minha vida e bastante indiferença para dar apoio, fiquei sem coragem para admitir a fraqueza e jogar contra ele, também tinham pessoas protetoras em volta, carinhosas, pacientes e que eram capazes de ceder. Não gosto de falar disso porque parece que eu só enxergava as coisas ruins.
O clima não é dos melhores, lamento minha imaturidade, mas passado não se refaz, eu não entendia a gravidade das coisas, eu achava natural à agressividade e logo depois o carinho.
Passei a não me importar com nada, ignorando completamente sua presença, mesmo que ele estivesse me despindo com os olhos, mesmo que ele agisse por determinados motivos, mesmo que eu tivesse deixado de ser feminina como ele me conheceu, eu não acreditava que coisas boas viriam em nossa direção.
Eu gosto de pensar que as críticas eram verdadeiras, que existiam bons motivos para mudança, que nenhuma brincadeira era em tom de flertes, entretanto, insistia em dizer que não fizera nada mais do que o seu dever de forma rude e paranoico.
Evitei tudo que pudesse exigir o mínimo de responsabilidade, descumpri os desejos de minha mãe de ser uma dona de casa exemplar, achei que poderia ser eu, a preguiçosa de sempre, achei que eu poderia sentar, rolar e fingir de morta e ele continuaria a se importar de verdade comigo.
Ninguém tem culpa de nada, por um tempo não me importei como as coisas caminhavam, eu queria ter o jeito que sempre quis, eu queria uma relação pronta e sem sacrifícios, mas depois de um tempo, cansei dessa vida.
Comecei os sacrifícios depois que me vi gorda e desfigurada, indo para lugar nenhum com um Mestre na manipulação ao meu lado, sei de tudo que fiz de errado, sei que não foi “nada demais”, sei que fui cruel e desalmada, nunca fui burra, sei que perdemos intimidade e simplicidade.
Comecei a resguardar sentimentos, decidi jogar para o alto as aparências, sim eu precisava emagrecer, mas não precisava enlouquecer por causa disso, éramos duas pessoas se conhecendo após sete longos anos de casados.
Antes da separação inevitável, curei a mim mesma, já estava com a minha ousadia de volta e segura de mim, sem medo de autoridades, sem receber o olhar de “Uau porque ela não se ama”, coloquei no papel os assuntos totalmente proibidos, os que ainda me desconsertavam por dentro.
Quando o casal quer coisas diferentes, ou você se conforma e cede, ou você faz o outro se conformar e ceder, ou ambos abrem mão daquilo ou acontecem às brigas, daí iniciam-se os momentos mais duro da minha vida, o de querer ter sempre razão.
Contentei-me em simplesmente ir levando, não me envolvi com ninguém, aliás, essa parte foi fácil já que não estava habituada a viver.
Tudo me afetava mais do que eu imaginava, imaginei coisas que não existiam, não havia muito que fazer a não ser zapear pelos canais da tv, sentia que tinha o dever de deixar a par tudo que acontecia, foi quando percebi que nós deveríamos nos sacrificar pela relação e não esperar, como passe de mágica que as coisas se encaixassem.