“É TUDO QUESTÃO DE ESCOLHA”, por... Lavinia Lins
“É TUDO QUESTÃO DE ESCOLHA”, por Lavínia Lins.
“É tudo questão de escolha”. Aquela frase fixou residência na minha cabeça.
Antes do episódio que marcaria a minha vida para sempre, eu era uma daquelas pessoas que, ao olhar, já se via que era feliz. Rodeada de amigos, espalhando sorrisos gratuitos, eu era uma arquiteta reconhecida, bem paga, sempre “na moda” e pronta para enfrentar qualquer desafio. Todos me olhavam. Todos desejavam, lá no fundo, ser um pouquinho do que era eu.
Sexta-feira. 22 de agosto de 2015. 19h e 25 min. Saindo do escritório, super atrasada para um jantar marcado com amigos, em que seria apresentada ao “ homem da minha vida” - segundo a Cá, uma amiga de longas datas -; lá estava eu, apertando o pé no acelerador e fazendo as manobras mais loucas. Eu só precisava chegar, tomar um banho, colocar aquele vestido preto “devastador”, maquiagem e, pronto! Estaria perfeita.
Mas, a vida nos guarda surpresas, não é mesmo? Ingrata! Nem era meu aniversário. Não precisava me trazer um “presente” desse tamanho. “Obrigada”, senhor destino!
Planos frustrados. Jantar no ralo. “Homem da minha vida, tchauzinho”. A batida foi forte. Nossa. Muito forte. Sabe aquelas dores que, de tão intensas, anestesiam a gente? Pois bem. Anestesiou tudo, inclusive, minhas pernas. Não as sinto. Melhor dizendo, nesse vazio que, hoje, mora em mim, só consigo alimentar o sentimento de dor interna. Ela, somente ela, é minha inquilina.
Por falar em inquilina, a Cá, aquela minha amiga... está praticamente morando aqui no hospital. Os outros amigos? Bem, imagino que devam estar muito ocupados para me visitar. Tudo bem. Sem problemas.
Não. Não está nada bem. Tenho apenas 35 anos. Uma vida pela frente. Uma carreira no auge. E, agora, uma cadeira de rodas. Ninguém vai me convencer a usar isto. Não mesmo! Nem por um decreto!
As tentativas dos poucos familiares que me restam e da amiga incansável, frustradas, assim como eu. Não tenho forças nem para pensar na possibilidade de sair daqui. E, por falar em sair daqui, “saiam todos! Eu preciso ficar sozinha!”. Ninguém, nunca, jamais, entenderá a sua dor. Ninguém poderá fazer isto por você. Ela é sua. Pessoal e intransferível. E nem me venha com um “eu imagino o quanto deve estar sendo difícil”. Você não imagina. Se imaginasse, nem diria isso. Não me olharia com essa cara de “peninha”. Detesto essa coisa de pena. Não há sentimento mais... mais... não há palavra para definir.
Alguns minutos após, alimentando a minha solidão e a pena que sentia de mim mesma - sim, eu sentia essa coisa que não dá para definir -, a porta do quarto é aberta. Uma senhorinha, conduzindo uma cadeira de rodas, olha para mim e diz: “ó, querida, desculpe, quarto errado”. Antes que eu falasse qualquer coisa, ela, percebendo a cadeira de rodas que insistia em repousar ao meu lado, disse: “essa belezinha é para você?”. Belezinha? Como assim? – pensei, irritada. “Já deu um nome a ela? A minha é Wanderléia, em homenagem àquela época gostosa da Jovem...”. Eu nem a deixei terminar: “a senhora poderia me dar licença, por favor? Estou muito cansada e não gostaria de conversar agora” – nem temi parecer rude. Ela: “claro, querida, não quero lhe perturbar. Mas, se puder lhe dizer algo (“haja paciência!” - pensei), permita-me: a vida tem seus atropelos. Nem sempre percebemos o quão rápido estamos indo e, para mostrar que não somos os condutores desse bonde, nos são impostos os devidos freios. Sem perceber, você poderia estar indo ao encontro de algo que não lhe faria bem; poderia estar cultivando frutos que a nada lhe levariam. Receba, pela oportunidade de estar viva, o recado da vida, com os braços abertos e o coração limpo. O quanto feliz ou triste você será daqui para frente, é tudo questão de escolha. Fique com Deus”. E saiu, depois de me lançar um sorriso confortador. Nem tive tempo de dizer qualquer coisa.
Fechei os olhos e refleti. Nem sei o nome daquela senhora. Mas sei que, de alguma forma, ela conseguiu expulsar alguns monstros que me rodeavam até ali. Acho que posso chamá-la de... “anjo”?
Uma lágrima fez caminho em meu rosto. Embarguei. Foi quando vi a minha querida amiga passando pelo corredor, sem saber se eu já estava ou não pronta para receber de volta os que insistiam em não me deixar sentir sozinha.
“Cá, me ajude a levantar. Quero sair daqui!”. Ela entrou no quarto, rapidamente; me olhou, espantada, e veio me ajudar.
Sem esperar que ela questionasse, eu disse, sorrindo: “é tudo questão de escolha, minha amiga, e eu escolho ser feliz. Obrigada por estar aqui”.