Alma Viajeira E perguntei-me ao fim da... Daniel Lima
Alma Viajeira
E perguntei-me ao fim da longa viagem:
- E agora aonde irei ter se, novamente, tiver de prosseguir noutros caminhos
a viagem sem fim na qual perdendo
me vou para salvar-me desde o início?
Que hei-de fazer de mim sem mais andança, eu, que caminho; sou, mais que pousada?
Eu que sou, no que sou, um ser em viagem e que às vezes me sinto o mais das vezes não um ser a mover-se em espaço e tempo, senão que a passagem mesma do ser móvel?
Assim aonde irei ter se esta viagem acaba para mim, que não termino e que vou, pela minha alma, sempre adiante?
Sei que sempre haverá novos caminhos, alma assim viajeira, assim inquieta que sempre além se põe de onde há chegado.
Mas aonde irei ter, já finda a viagem, quando me for à aventura dos caminhos?
E a minha própria alma viajeira
– feita de inquietação e movimento –
a minha alma, que os pés de vagabundo não deixam se detenha nas pousadas onde o senso de estar se recupera,
é ela própria, a minha alma, que me fala, no profundo silêncio, a mim, que a escuto.
Aonde irás ter, perguntas, se de novo tiveres de seguir outros caminhos
no fim desses caminhos já seguidos?
Pois bem sabes que aquele que viaja
não no espaço de fora e no extensivo tempo de humana seiva carecentes
senão no Espaço e Tempo, substâncias
e ritmo do Amor que a Vida move,
esse viaja sempre, embora às vezes pareça repousar, como o pareces agora que, no entanto, mais sem termo,
mais estranha e esquisita e pura viagem
é a que estás a fazer pelas infindas, silenciosas águas das paixões obscuras
de que se faz a vida e a vida criam,
que parar não te deixam um só instante, aspirações que são de eternas formas ideais e divinas que te arrastam
como exemplares causas de teus sonhos para além do que és, ao infinito
do teu querer, que é o teu destino de homem.
Aonde irás ter, se o fores?
Que adianta perguntares agora, alma viajeira?
Não saberias nunca. A estrada chama,
a alma chama, os pés chamam, a vida chama.
Andar, sair, caminhar sempre – é isto
o que tens a fazer, eterno peregrino,
e o que sempre em agonia vens fazendo na insatisfeita busca de ti mesmo.
Vai, pois, sem nem saber aonde caminhas. Ainda sem roteiros indagares.
Que o mistério da vida, que a beleza
da vida só se dá, gratuita e plena,
a quem, andando sempre, ama a Viajem porque a Viagem é a estrada
e a Estrada é a Vida.