1 de novembro de 2015 Cai no álbum de... ClaudioMazaropi

1 de novembro de 2015
Cai no álbum de retratos. Quem diria, vó!
Foram tantas as vezes que você ficara que a gente principiou a te acreditar sublime, a te pensar eterna, a te desejar inefável. Fico com as minhas palavras cosméticas, sem ter como te fixar no escuro. Mas não seria justo, avó, não seria certo. Porque você sabia de cor o nome de tantas ruas por onde já não pisava, a receita de tantos bolos que já não fazia. E aquela fraqueza de sempre. Não faz mal, avó.
O universo continuará sem ti. Com você, extingue-se um mundo de coisinhas. Terá importância? Aquela casa, sua, será alvo de imobiliárias predadoras. O número 48, tão simples, da rua Colonização. Ao redor da casa, despontam prédios. Arranha céus imensos ganham terreno. É tanta modernidade, vó! A nossa rua vai ficando encolhida e, com ela, a casa, o jardim, a soleira da porta.
A vizinhança parece dormir, as visitas rareiam. As vizinhas do seu tempo já não aparecem com frequência. Um ou outro nome desaparece. Você continua. Faz setenta, oitenta, quase-noventa anos. Sente saudade, mas não deixa transparecer que nossa pouca idade não alcança suas lembranças, suas memórias. Conta histórias de menina que a gente escuta com cuidado. Diz lembrar fatos que lhe aconteceram com três anos – e eu acredito. Tem memória boa. Sabe de cabeça o aniversário de muita gente. Guarda tanta, tanta vida.
Como você, eu não encontrei ninguém. Sentada na cama, seus olhos marejam, sua expressão vagueia – quase chora.
“Eu só tenho pena de deixar minhas coisinhas” – não faz mal, vó.
Suas coisinhas vão com você. Boa noite.
Dorme com os anjos.
Gi.