Tecido com o coração das longas... Mauro Santayana
Tecido com o coração das longas hastes, colhidas às margens do Nilo, por diligentes fabricantes de papiro; lixado, desbastado e prensado, até o couro se transformar em pergaminho; abrigado, por tanto tempo, na escuridão das câmaras mortuárias das pirâmides egípcias e nas prateleiras tubulares da Biblioteca de Alexandria; copiado, à luz de velas, e das amplas janelas dos scriptoriums das abadias medievais, por gerações de monges que nele teceram a delicada e persistente trama dourada das iluminuras, desenhando, com longas penas de ganso, serifa a serifa, as letras dos textos bíblicos, da filosofia, da ciência, da história; escrito pelos revolucionários, contrabandeado pelos perseguidos, nau e asas dos injustiçados, leme dos que mudaram o mundo, o livro continuará, conosco, no futuro.
Nossos netos poderão achar os mesmos textos nas frias nuvens de bits, nas telas dos tablets e dos smartphones, ocultos nos algoritmos que as máquinas guardam e traduzem, até serem quebradas e derretidas para fazer novas memórias, placas e processadores.
Mas nada poderá substituir, ou superar, a sensação de imaginar, ao acariciar uma capa antiga, a vida de quem a encadernou.
De descobrir, ao abrir um volume de aventuras, a dedicatória, escrita, com esmero, a tinta de tinteiro, por um pai para seu filho de 10 anos.
Ou de localizar a letra do primeiro, do segundo, de um terceiro dono - nome, sobrenome e ano - como a marcar e afirmar, em uma lápide, ou numa carta jogada em uma garrafa ao oceano: eu existi. Como você, estive por aqui. Como você, tive este livro entre as mãos. Ria com ele, chore, aprenda e sonhe. Escreva seu nome nesta página de rosto. E aproveite a leitura.