MANIA DE EXPLICAÇÃO Era uma menina que... Adriana Falcão
MANIA DE EXPLICAÇÃO
Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.
Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
Ela achava o mundo do lado de fora um pouquinho complicado.
Se cada um simplificasse as coisas, o mundo podia ser mais fácil, ela pensava.
Então tentava simplificar o mundo dentro da sua cabeça.
Simplificar é quando em vez de pensar em 4/8 a pessoa pensa logo em 1/2.
Um meio, quando é escrito em números sempre quer dizer "metade", mas quando é escrito em letras pode também querer dizer "um jeito".
Existem vários jeitos de entender o mundo.
Ela tentava explicar de um jeito que o mundo ficasse mais bonito.
Essa menina pensa que é filósofa, as pessoas falavam.
Filósofo é quem, em vez de ver televisão, prefere ficar pensando pensamentos.
De tanto que a menina explicava, as pessoas às vezes se irritavam,
irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio do seu peito,
reclamavam, e iam embora, deixando a menina lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, o seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo", é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro da sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair do seu pensamento.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Cismar é quando o desejo quer aquilo apesar de tudo.
Apesar é uma dificuldade que não é grande o suficiente.
Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso.
Sucesso é quando você faz o que sabe fazer só que todo mundo percebe.
Antes é uma lagarta que ainda não virou borboleta.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando o seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Vaidade é um espelho em todos os lugares ao mesmo tempo.
Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta o seu coração.
Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o natal acontece em maio, por exemplo.
Exemplo é quando a explicação não vai direto ao assunto.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Beijo é um carimbo que serve pra mostrar que a gente gosta daquilo.
Gostar é quando acontece uma festa de aniversário no seu peito.
Amor é um gostar que não diminui de um aniversário pro outro. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.