A IMAGINAÇÃO DAS MULTIDÕES` Como em... Gustave Le Bon
A IMAGINAÇÃO DAS MULTIDÕES`
Como em todos os seres em que o raciocínio não intervém, a imaginação representativa das multidões é susceptível de ser profundamente impressionada. As imagens que uma personagem, um acontecimento, um acidente, evocam no seu espírito têm quase a vivacidade das coisas reais.
As multidões estão um pouco na situação da pessoa adormecida cuja razão, momentaneamente suspensa, permite que surjam no espírito imagens de grande intensidade, mas que depressa se dissipariam se fossem
submetidas à reflexão. As multidões, incapazes de reflexão e de raciocínio, não conhecem o inverossímil; ora as coisas mais inverossímeis são geralmente as que mais impressionam.
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Pão e espetáculo eram na Antiguidade, para a plebe romana, o ideal de felicidade. No decorrer dos tempos, este ideal pouco tem variado. Nada impressiona mais a imaginação popular do que uma peça de teatro. Toda a sala sente ao mesmo tempo as mesmas emoções e, se elas não se transformam imediatamente em atos, é porque nem o espectador mais inconsciente consegue ignorar que está a ser vítima de ilusões e que riu ou chorou perante aventuras imaginárias. Mas, por vezes, os sentimentos sugeridos pelas imagens são tão fortes que, tal como as sugestões habituais, tendem a transformar-se em atos.
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Isto constitui, em minha opinião, um dos indícios mais notáveis do estado mental das multidões e, sobretudo, da facilidade com que podem ser sugestionadas. O irreal aparece-lhes com quase tanta importância como o real, e elas manifestam uma tendência evidente para os não distinguir. É na imaginação popular que se baseia o poder dos conquistadores e a força dos
Estados. E é atuando sobre essa imaginação que se arrastam as multidões. Todos os grandes feitos históricos, como a criação do Budismo, do Cristianismo, do Islamismo, a Reforma, a Revolução e, nos nossos dias, a invasão ameaçadora do Socialismo, são as consequências diretas ou remotas de profundas impressões produzidas na imaginação das multidões.
Por isso, os grandes homens de Estado de todas as épocas e de todos os países, incluindo os déspotas mais absolutos, sempre consideraram a imaginação popular como o alicerce do seu poder e nunca tentaram governar contra ela. «Foi tornando-me católico», dizia Napoleão ao Conselho de Estado, «que acabei com a guerra da Vendeia;
foi fazendo-me muçulmano que me instalei no Egito e foi fazendo-me ultramontano que conquistei os padres em Itália. Se governasse um povo de judeus, restauraria o templo de Salomão.»