“Você me amou como um daqueles seus... Amanda Seguezzi
“Você me amou como um daqueles seus carrinhos que colecionava quando criança. Desculpe a comparação meio besta e sem sentido, mas é que nunca passou disto, certo? Bem, não responda! Nunca tive nenhum atributo que me diferenciasse das outras gurias que você conhece, além do coração fraco e irregular. Desculpa também a falta de introdução nesta história que mal teve começo e já tratou logo de desenrolar o final. Você foi como um daqueles momentos importantes que a gente espera a vida toda. Mais uma vez te peço desculpa por dizer que sou um pouco dos teus restos também. Olhos opacos, eu te preciso tanto! Sempre tive medo que você melhorasse a minha vida, medo de que me jurasse amor eterno até a manhã do outro dia. A verdade é que me acostumei com as tuas repentinas ausências e até tentei amá-las. Eu te amei através das quedas, do caos e do cosmos, e nestes instantes, até achava que seríamos infinitos se fossemos apenas letras de músicas. Você despertou um lado bom meu que nem sabia que poderia ter, fazendo-me tatuar ao vento que eu namoraria qualquer verso que viesse de você. E assim como o grito involuntário do corpo, você se tornou uma característica minha. Desculpe-me pela saudade também, olhos opacos. Teus olhos, estes, mãos que deslizavam sobre minha pele.
Nas vezes que pensei em desistir do seu sorriso, lembrava das tantas outras vezes em que sussurravas o meu nome no escuro como se conseguisse a proeza de fazer carinho nele. Infelizmente, a gente sente quando termina, e junto daquele quase-outro-mês, quase-outro-ano, você virou o meu quase. Você se perdeu no meio dos meus caminhos e seguiu em frente. Eu procurava saídas pela tangente e becos escuros, me convenci de que não somos almas gêmeas por não possuirmos o mesmo ascendente. Talvez eu tenha perdido muito tempo sentindo inveja de quem você conheceu antes de mim, sentindo ciúmes do seu passado, das outras bocas, dos outros abraços. Eu tentava te fazer esquecer das cicatrizes enquanto o próprio mundo já estava se encarregando de te mudar.
Sabe, os meus joelhos, antes o encosto da sua cabeça para aqueles dias que o universo parecia conspirar contra você, eles se sentem abandonados também. Era como se entre a pele e a carne ainda existisse algum resquício dos teus espasmos. Eu perdi para um espaço vazio na tua vida, quem sabe até você tenha se assustado com o peso dos meus ombros e isso tenha te feito ir pra longe. Não sei.
Só sei que preciso te odiar todos os dias para lembrar que você existe. Porque, bem no fundo, somos todos substituíveis - eu sou a prova, somos também restos daquilo que nunca compreendemos, infelizes restos de amor.
Na última vez que te vi, fiquei surpresa por não tremer ao te encontrar. Observei teu reflexo através das poças d’água e não vi nada além de um perfeito estranho. Reparei no seu cheiro de hortelã e percebi o quanto sentia falta disto. Naquele dia eu te enterrei e bebi para comemorar, senti falta de ar por enterrar junto de ti pequenos fragmentos de mim. Eu nunca serei tão eu sem a parte de mim que foi embora.
Você me fez criar preguiça do mundo, preguiça das pessoas, preguiça de recomeços. Você vai seguir sozinho, acariciando o vácuo, fazendo carinhos apenas em objetos, como se implorasse dá-los uma vida. Vai conhecer alguém de mente tão vazia quanto o teu coração. Você vai ser aleatório, inofensivo e melancólico. Talvez eu te mande um cartão-postal de uma paisagem bonita. Talvez eu te esqueça. Talvez eu te leve na bagagem dos meus olhos em segredo apenas para não me sentir sozinha. Nada é definitivo.
Até qualquer dia.”