Estranho eu ainda não ter me desfeito... Amanda Seguezzi

Estranho eu ainda não ter me desfeito do nosso antigo apartamento, acho que são pelas paredes cor lilás. Estávamos juntos há quase dois anos, pode-se chamar isto de um encontro de almas. Às vezes as pessoas estão juntas há um mês e você sabe que é muito importante. E às vezes estão juntas há dois anos e você acha que vai acabar a qualquer momento. Nós éramos assim, sempre por um triz, apesar de que ao mesmo tempo nossa essência era quase igual.
Sempre fui uma menina que nunca gostou de andar de ônibus. Na verdade, tinha medo de não alcançar a campainha ou de embarcar para o rumo errado. Também nunca gostei de finais de livros ou finais de estações. Eu sempre esperei por um grande final das coisas, aliás, eu sempre esperei muito de tudo. Isso sempre acabava me decepcionando. Deve ser por isso que nunca aceitei o nosso fim. Não gostava de recomeço e novas histórias. Não gostava de pensar num futuro sem que você fizesse parte dele.
Eu vivia confinada nas paredes da minha própria liberdade.
Reposicionava os móveis, trocava as cores das cortinas tentando esquecer a tua paz apenas para ficar em paz. Contudo, mesmo te exorcizando aos pouquinhos, te sepultando a cada vez que cochilava no sofá ao invés de ir para a cama, ainda tinha a proeza de posicionar dois lugares à mesa e duas xícaras de café na cômoda. Tinha a esperança de que, se colocasse o copo sujo em cima da pia, você apareceria com aquela expressão doce-furiosa, assim como fazia antes. Que engano.
Eu não queria ser uma daquelas pessoas desesperadas que procura o amor a cada esquina da cidade. Você me transformou num ser analfabeto tanto de metáforas quanto de sentimentos. Você amaldiçoou meus verbos enquanto eu me sentia perdida em meio as tuas veias. Não importa quanto tempo passe, eu sempre vou te admirar com os olhos transbordados de passado e amargura sustentados pelas lacunas que você deixou ao sair da minha vida. E agora, quando um dia a mais se torna um dia a menos, eu penso na vontade de te doar os meus segundos, já que os pensamentos estão me lembrando que você também está morrendo a todo o momento. Mas onde estás agora?
Afinal, quanta maldade existe no mal? Quanto amor cabe no sofrer? Desmentir o amor é uma maldade, mas alimentá-lo em vão desafia o castigo que é sentir sem estar vivo na alma de outra pessoa.
Desculpa, mas eu acho que nunca vou superar você.

É lilás a cor do teu riso.