Seriam Palavras Seriam palavras, se as houvesse. Se pudessem...

Seriam Palavras

Seriam palavras, se as houvesse.
Se pudessem dizer mais, daquilo que importa.
Se com elas se construíssem ninhos para onde voássemos,
quais pássaros livres mergulhando ás alturas,
falhos de lógica, em quedas só nossas, ascencionais,
seguindo os caminhos secretos do instinto
e as vozes antigas no sangue grosso,
quando gritasse exigências.

Seriam passos, se ainda os houvesse por dar.
Ou se fossem ainda necessários
para chegarmos onde já estamos sempre.
Se houvessem ainda caminhos a percorrer,
e se, percorrendo-os, diminuíssemos duma vez
as distâncias e os medos que nos separam de nós.
Seriam passos–ferramenta escavando um futuro
numa falésia rochosa feita de outras dificuldades.
Mas são apenas os dias escoando-se desperdiçados,
deixando atrás de si uma fome especial feita de desencontros,
de mal entendidos que talvez temamos bem-entender,
e, neles, as palavras revelando-se insuficientes, soando ocas,
e os passos tornando-se caminhos sem rumos definidos,
desenhando pegadas em mapas fortuitos, num ladear de destinos.
Por isso ás vezes me desloco para um outro mundo, desenquadrado,
sem regras nem tempo medido, nem assinado embaixo,
onde procuro que não haja esperança excessiva nem mel a conta-gotas.
Um meio que seja um outro meio , talvez num tempo diferente,
onde quero as palavras como fortes mas singelas carícias,

e onde os gestos ecoem os adejos das asas brancas de criatura aladas,

ajoelhadas perante a missão primordial de serem felizes.


Um meio e um tempo “entre” , onde subsisto numa história crua,
e onde me escrevo em prazeres onânicos e simples
enquanto os momentos se revelam em concordâncias fantásticas,
onde a verdade, como uma pimenta, se acrescente á ficção e ao mundo.
Em redor sobram as cascas das horas terçadas como armas,
e as identidades desperdiçadas perambulando pelo Caminho.
Como um Fado.