A CARAVANA Eu sinto o vento a recobrir... Patricia Neme
A CARAVANA
Eu sinto o vento a recobrir os passos
da caravana, rumo ao ocidente;
rompe, em seu curso, milenares laços...
Mata o passado... E o amor nele existente.
Desertos, vales... Todos os espaços
são inundados por cantar plangente...
Canto que embala a rosa em sonhos baços...
Outros jardins... Não mais chão imanente.
E há tanta dor nos braços da partida...
Tanta ventura feita vã, perdida...
Como olvidar sentir tamanho, assim?
Onde o refúgio do porto altaneiro,
das ternas mãos do amado jardineiro...
Senhor, responde: o que será de mim?
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
A ROSA SE DESNUDA
Não há no tempo a poção de magia,
que traga à rosa o seu primeiro encanto.
Foi-se-lhe a vida... Jaz em agonia,
por não mais ter a voz do próprio canto.
A primavera... Deus, que nostalgia...
Que padecer, que dor... É tanto o pranto...
Onde as sementes? Rosa tão vazia...
Rosa desnuda de cor e acalanto!
Misericórdia, céus, ouve-me a prece,
todo o esplendor da rosa, em mim, fenece...
E o desespero é qual o mar... Crescente.
É lua plena de paixão e sangue...
É rosa morta, de tristeza, exangue...
Buscando as sendas do Grande Oriente.
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
O EXÍLIO
Insensato destino, ao roubar-me a ventura
de ser rosa nos campos do meu florescer.
De furtar-me os mistérios da extrema doçura,
que um profano cultivo não sabe antever.
Exilada a um terreno deserto, de agrura...
O esplendor do meu ser faz, em mim, fenecer!
No mosaico de um chão, sem calor, sem ternura,
me retorno aprendiz... Não mais quero viver!
Jogo ao vento os retalhos banhados de orvalho,
guardo o verde florir e em negror me agasalho...
Dantes, se rosa fui... Hoje sou flor qualquer.
Pois quem foi meu poeta, ficou tão distante...
Pereceu na perfídia do agora inconstante...
E da rosa não resta o perfume, sequer!
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
O DESABAFO
São todos órfãos, meus poemas, meus sonhares,
morreu de angústia o eterno vate que cantava.
E entre as colunas do meu templo de pesares,
uma saudade, imensa, ardente, faz-me escrava
de mil promessas, votos, juras seculares...
Tudo olvidado. E então, o amor que me alumbrava
tornou-se folha desvalida entregue aos ares
da tempestade hostil, feroz, que a dor agrava.
E as rimas puras, expressão de sentimento,
jazem perdidas num murmúrio de lamento...
Meros retalhos de palavras no papel.
Já não mais sei onde buscar minha poesia,
em meu jardim apenas pó, melancolia...
Onde reencontro, em mim, a rosa menestrel?
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
A REALIDADE
Já não há como rejeitar esta existência
de reflorir em meio às urzes dos canteiros.
De pouco serve suplicar benevolência,
a quem não ouve a paz cantante nos outeiros,
e desconhece, do luar, os tons primeiros,
que são, do sol, a mais sutil e pura essência.
E traz no olhar intentos vãos e sorrateiros...
E faz da vida desamor e inconsequência.
Onde o bailado do chamejo das fogueiras,
a voz do vento, a sussurrar nas tamareiras...
Neste jardim trabalha a mão da iniquidade.
Sementes negras, de amargura e de saudade,
florescem guerras, desencontros, desencanto...
Padece o sonho, ora regado por meu pranto!
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
O DELÍRIO
Não sei quem sou... Sequer sei quem serei,
no vendaval, eu me perdi de mim.
Lembranças vagas, nada certo sei...
Inda sou rosa? Ou quiçá, alecrim?
Talvez areia, da senda onde andei...
Ou penas d’asa de anjo-querubim?
Cegou-me o olhar fogoso do astro rei,
pra que eu não veja mais o meu jardim?
Mas, se ao redor já não há mais canteiros,
só a tristeza vinda dos salgueiros...
Morreu o sonho, a vida se acabou?
Ou eu findei e vago no infinito...
Quem concedeu-me o fado contradito
de, por amor, já não saber quem sou?
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
MAKTUB
Quem destinou-me o denso manto do degredo,
na amara ceia, onde o destino foi selado?
Jerusalém... Sepulcro do real segredo...
Aldebaran... Berço distante... Meu passado...
Onde os arcanos que entretecem tal enredo
além memória... No ancestral, plano traçado?
Rosa exilada nas entrâncias do rochedo,
compassa o tempo, até o retorno consumado.
Se estava escrito, cumpra-se o marco imutável,
seja a aprendiz, por fim, a mestra venerável,
a transmutar estéril chão, em firmamento.
Se estava escrito... Olho ao redor... Um recomeço?
Aceito o fado. Se assim é... É o que mereço...
Há um amanhã... Que agora exista o esquecimento.
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
REFLEXÃO
Sumum é o vento andante do deserto,
surge do nada e em nada vai-se embora.
As dunas bailam, sem tempo, sem hora,
a senda faz-se um caminhar incerto.
Sumum... Mistério... Futuro encoberto,
a ventania tece o aqui ... E o agora.
Estrelas guiam... No chão de Pandora
não há vontade... Não há longe ou perto.
Destino, fado... Vendaval... Surpresa,
miragens, sonhos... Esperança acesa...
Só no infinito, rota alvissareira.
Pétalas secas, sem viço ou perfume...
Eu sou a rosa que perdeu seu lume,
no exílio imposto... Longe da roseira!
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
A COMPREENSÃO
De medietate lunae, ao Ocidente...
Tanta distância, silêncio... Ironia...
Ser rosa é o canto de um amor silente,
a perfumar a noite densa e fria!
Ser rosa é a cruz da vida transcendente,
cedro vergado ante a sabedoria...
Está na rosa, o espinho da serpente,
e a suavidade da voz da harmonia.
É ousar supor no sol, seu cavaleiro,
mesmo trajado qual fora um pedreiro...
E florescer bondade e perfeição.
Na rosa, a gota de um olhar fraterno
em permanente súplica ao Eterno,
para que o amor transponha a solidão!
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
O RETORNO
Embora secas, nas mãos de um grande arquiteto,
pétalas tristes são tecidas qual estrada,
em senda ascensa, a desvendar o que é secreto,
para que a rosa atinja o cume da florada.
Fecha-se o ciclo, por direito, por decreto,
a flor maior ressurge, pura, restaurada;
ao sol dormente, término do seu trajeto,
a entrega é feita. E tudo o mais é resto, é nada!
Além dos véus da inconsciência, o anjo do arcano,
abre o portal do grande mestre soberano...
Em cujo altar a rosa faz-se eternidade.
E em novo rito, ante o olhar dos imortais,
sagra-se a rosa guardiã das catedrais,
dos templos sacros, de justiça e liberdade.
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)
AD INFINITUM
Ad infinitum, pela eternidade,
Eu Sou a rosa da divina essência.
Eu Sou teu canto de feroz saudade,
na vida além do véu desta existência.
Eu Sou a rosa da tua santidade,
se peregrinas rumo à transcendência;
mas sou espinho, se em ti há veleidade...
E apago o sol da profana imanência.
Eu Sou a rosa de Sarom, de Altai,
Eu Sou o Eu Sou, em ti, e Eu Sou no Pai...
Eu Sou a rosa do Oriente Eterno.
Eu Sou a rosa da mão de Adonai,
Eu Sou a terra... Maria ou Sarai...
Eu Sou o Verbo, por amor, liberto!
Patricia Neme
(in ALDEBARAN)