“Uma vez inventei de limpar as gavetas... Amanda Seguezzi
“Uma vez inventei de limpar as gavetas do meu ego e jogar fora tudo o que não trouxesse paz. Encontrei então um mar de lembranças adormecidas num cantinho empoeirado que há muito não percorria os olhos. Toquei as flores secas tentando sentir o perfume ao qual eu já esquecera a composição. Tentei dançar ao som da música, aquela que tocava quando eu te beijava, contudo não acertei os passos. Esqueci das falas, dos nossos contrastes. Lembranças não gostam de visitas, este é o preço da memória boa. As pessoas melancólicas veem as situações que já ocorreram nos mesmos lugares, agora vazios. Saudade é o preço a se pagar pelos danos. Saudade é tortura boa de sentir enquanto relembra as cenas com um sorriso no rosto. Admirava nossa foto como se pudesse sentir de novo todas as sensações que sondavam o momento. A mão dele na minha cintura chegava a causar um leve choque no mesmo local a cada vez que eu a observava. Sentia o orvalho da noite fria, a dor nos músculos da face pelo sorriso de orelha à orelha. Ria alto com o brilho dos olhos dele e me perguntava o porquê de não ter durado por muito tempo. Eu me perdia nas respostas prováveis e em tudo que um dia ele já me disse. O guardei no baú da saudade como um sonho bom meio que por brincadeira, e quando vi, já o queria sem precauções. Eu percebia, de alguma forma, que não valia à pena desistir de nós, mesmo que os nós no pensamento por muitas vezes me sufocassem. Eu não precisava de amor, mas queria o teu afeto como quem sacia a sede. Via esperança num horizonte preto e branco ao qual apelidei carinhosamente com o teu nome. E nas horas sem ti eu respirava fundo, batia os pés no chão num ritmo desenfreado, estalava os dedos, cantarolava um blues antigo. Eu queria me deparar contigo nas repetições sem sentido, nas minhas guerras, na minha ansiedade, mas apenas podia te encontrar nos erros. E se era nas falhas que ocorriam os nossos confrontos, eu sempre pecaria pra te ter por perto. E, ora veja, ele me tinha até quando eu não sabia o que querer. E quem disse que agora eu sei?
E eu ainda lembro.
O beijo dele me declamava poesias."