Ele é um cara sério. O tipo que não... Gabriela Noel
Ele é um cara sério. O tipo que não lambe a tampinha do Danone, não dá gargalhadas e chora uma lágrima de cada vez só para parecer mais forte. Mas não são apenas os anos de diferença que me deixam completamente louca por ele.
É também os cabelos jogados e os lábios finos que o faz parecer um desses cantores de rock de bandas dos anos 60.
É esse ar rebelde e sério que dá a impressão de que ele está sempre lutando por alguma causa revolucionária. E talvez esteja mesmo. Eu só não sei exatamente qual é a causa porque ele vive por aí como um desses anti-heróis que são amados e odiados, mas que no final sempre estão prontos para salvar o mundo quando precisa.
E como um personagem de quadrinhos ele está sempre com seu uniforme, como se ele fosse tão parte dele, que sem ele não pudesse passar os dias.
Eu o imagino acordando pela manhã e abrindo um guarda-roupa só de uniformes limpos, cheirosos e passados prontinhos para serem usados a qualquer hora que precisar.
Eu sempre fico imaginando como ele seria em uma tarde de folga. Sem aquelas roupas alinhadas e sociais e todos aqueles aparelhos que não param de tocar um só minuto.
A verdade é que eu gosto da maneira como ele vê o mundo, gosto da sua sagacidade, da sua perspicácia, da sua maturidade para lidar com as coisas mais simples e também as mais complicadas. Gosto da sua experiência, da sua audácia, dedicação e principalmente da sua coragem. Mas às vezes tenho vontade de rasgar sua roupa, bagunçar seus cabelos ou o fazer dar gargalhada só para ver se ele perde um pouco toda essa compostura.
Porque eu gosto exatamente de como ele é, mas eu gosto mais ainda de quando ele se liberta e começa a ser ele de verdade. Eu sei quando isso acontece porque seus olhos brilham, é como se lá dentro se acendesse uma luzinha que o permitisse sair só um pouquinho disso tudo e ser livre por uns minutinhos. Porque o que realmente me intriga é a sua total dedicação com qualquer causa menos a própria.
Nunca o vi completamente desnudo. Talvez de roupas, de máscaras e de telefone raramente. Mas quando uma coisa ia, sempre havia outra para não o deixar desconectar completamente do seu mundo.
O mundo que o desafia, que o mantém, o limita e até o engole lentamente sem que ele nem se dê conta.
Nem sei exatamente se ele conseguiria viver sem seu uniforme, seus telefones e seus milhões de problemas e afazeres. Parece que ele precisa estar sempre envolvido em qualquer dessas coisas que gente grande faz.
Porque só gente grande entende o porquê tem que ser assim.
Ele é um homem, e como um homem ele sabe exatamente sobre as conseqüências de uma decisão, o limite de um ato e o preço das coisas. Mas eu ainda duvido se ele sabe como é bom ficar deitado só olhando as estrelas, vendo qual formato tem uma nuvem ou sentindo o batimento do outro como se fosse o seu mesmo sem ter que se preocupar com mais nada. Porque isso não faz sentido para os adultos, dizem até que é feio para um adulto ser tão infantil e sentimental, mas idaí? As crianças é que são felizes de verdade! Quem falou que eu preciso enfrentar o mundo com tanta seriedade?! Meu sonho seria encontrar o elo e o equilíbrio entre um mundo e outro. Mas enquanto não acho, eu vivo mesmo pulando daqui para lá feito uma criança que brinca no paralelepípedo da rua só para não enlouquecer.
E quando eu olho para ele me sinto mesmo uma criança. Porque no mundo das pessoas grandes. Esse mundo onde os adultos são de verdade o tempo inteiro, esse mundo que ele vive, nesse mundo as coisas são muito diferentes. É um mundo que eu não pertenço e que nas raras ocasiões em que consigo entrar me sinto completamente perdida.
Mas eu tenho vontade de entrar só para buscar ele lá de dentro e ver se ele não quer vir pular um pouquinho só no paralelepípedo comigo. Eu tenho vontade de entrar só para dizer para ele:
- Olha você não precisa ficar aqui o tempo todo sendo tão sério. Você pode viver, pode mesmo... Faz isso só um pouquinho? faz isso por mim?! Ou por você até. Só não salva nada além de um pouquinho de você mesmo hoje. Vem comigo, vem... vem fazer uma loucura só um pouco e deixa tudo isso aqui.
(texto: meu anti-heroi/ autoria: Gabriela Noel)