Tie-break Chegamos ao destino já no... Moacir Luís Araldi

Tie-break
Chegamos ao destino já no final de um dia de muito calor. De cara já percebi certo aspecto medieval na região.
Maria Luiza que dominava espanhol e se aventurava no inglês se encarregava de pedir informações. De Francês nenhuma palavra. Nem ela nem eu.
A ideia era vencer o percurso em trinta dias. Mas já no primeiro dia de caminhada sentimos que seria preciso muita resistência para buscar este objetivo.
À medida que subíamos em relação ao nível do mar parecia que ficava mais cansativo.
Eu olhava para a Malu, e lembrava-me dela reclamando do ponto que eu perdi no tie-break da final do campeonato de vôlei da liga.
Há muito nos tornamos amigos.
E nesta condição viajamos juntos. Mas nunca deixei de ter uma forte atração por ela.
Morena alta, cabelos longos, olhos claros e com a pele bronzeada chamava ainda mais minha atenção.
Falávamos para todos que éramos irmãos para facilitar as coisas. E, convenientemente, nos comportávamos.
Encontramos, naturalmente, gente de todas as partes do mundo.
A cada um dávamos a atenção possível. Era meio desconfortável ver as insinuações e os olhares pra cima da Malu. Mas ela sempre foi desenvolta e tirava até uma onda com os mais abusados.
Mulher decidida, bem resolvida, sabia que estávamos ali para fazer o percurso que dois anos antes começamos a planejar. Jogávamos na mesma equipe e trabalhávamos na mesma empresa isso tornou possível este planejamento sem muitos atropelos. Negociamos férias no mesmo mês. Verdade que não foi fácil à negociação, pois o setor ficou meio desguarnecido nestes dias.
Agora ali, vendo as paisagens lindas, apoiado pelo cajado e suportando a mochila nas costas estávamos felizes. Nestas horas percebe-se que dá pra viver apenas com o essencial. Era o que carregávamos nas mochilas, pois quanto mais leves melhor se suporta. Questão de resistência mesmo.
Terrível são as bolhas que se formam nos pés. Tínhamos esta informação e tomamos todos os cuidados, mas ainda assim não conseguimos evitar. O jeito era medicar sempre que estávamos nos albergues. Aliás, ficávamos nos públicos por uma questão de custos. Ainda assim eram melhores do que se podia imaginar. A diversidade de cultura acaba ajudando na aceitação de situações diferentes a cada dia, a cada hospedagem, a cada conversa. Tudo muito diverso que chega a encantar. É preciso despir-se de valores preconcebidos para poder entender a grandeza deste momento que também é cultural.
Tinha dias que eu via a Malu meio cansada. Olhar contemplativo. Olheiras enormes, contudo sempre bem humorada. Ela conseguia me manter equilibrado emocionalmente. Um feito para poucos em situações assim.
O mais interessante é que a cada momento eu me sentia mais atraído por ela. Às vezes parecia que ela também estava gostando um pouco mais do que só estar comigo e da minha companhia. Por outro lado a insegurança me impedia de tentar qualquer aproximação amorosa. Afinal éramos amigos que agora se apresentavam como irmãos. Uma coisa meio embaraçosa.
No final do primeiro dia, em St Jean Pied e Poit, ainda na França, ela tinha me dado um beijo no rosto que me marcou muito. Era um agradecimento por estarmos ali. Uma retribuição pelo carinho e atenção que eu dedicava a ela nesta viagem.
Mas confesso: Não esqueci o beijo.
O perfume dela me enchia de desejos. Mas nunca externei. Melhor não colocar em risco tudo o que projetamos curtir.
Trinta e cinco dias e oitocentos quilômetros depois, emagrecidos e meio exausto, finalmente avistamos a chegada. A ansiedade que aumentava a cada dia ficou ainda maior.
Foram incontáveis passos irmanados nestes dias. Visivelmente emocionada, Malu se aproximou e estendeu-me os braços e eu perguntei a ela com lágrimas nos olhos e voz embargada:
Quanto vale a realização deste sonho?
Chorando ela me abraçou e respondeu:
- Não sei, mas muito mais do que o ponto que você desperdiçou no tie-break.
Risos e choros se misturaram. Ela me apertava cada vez mais forte e gostosamente senti um arrepio percorrendo o meu corpo todo.
Inesperadamente beijou-me a boca.
Foi apenas o primeiro, mas entendi que valeu a pena cada metro feito no cansativo caminho de Santiago de Compostela.